#unamuno: O Velório da Bela Desconhecida
A história da morta que encontraram inviolada correu uns dias pelo São Conrado, antes de alguns moradores começarem a organizar um funeral para ela.
– por Marc Enrique Bernardo
Não sabia o que fazia ali. Estava frio, o chão esburacado da praça forrado de folhas secas. Atravessou a quadra e chegou num campo. Onde uma calma névoa dançava, via-se em outras noites a grama alta levada pelo vento, refletindo o luar. Engoliu em seco e voltou, agachou-se no canto de um muro. Escombros de um antigo centro comunitário eram engolidos pelas sombras das árvores, que ao redor de Lídio pareciam vultos. Fechou os olhos e permaneceu em silêncio; estremeceu, pássaros de muitos galhos voaram. Parou no meio da rua pois tinha escutado um grito vindo da mata. Lídio olhava as pistas do aeroporto, e, bem longe, as luzes da torre. Cinco anos atrás, víamos as estrelas de cima da arquibancada, hoje o lugar é quieto, ninguém mais bebe até tarde, o bar fecha cedo.
Andou pela grama e viu-a deitada, de barriga pra cima. Troncos secos ao redor dela. O lugar estava deserto. Ela dormia? O vestido verde sem manchas vermelhas e o laço branco intacto amarrado no cabelo davam a ela uma aparência caseira, como se ela dormisse. Ou talvez tivesse morrido em um outro lugar. Lídio pensou em cobri-la com a jaqueta que vestia, e quando se aproximou, pensou tê-la reconhecido. E a viu tão indefesa, tão desvalida, que enxergou nela a irmã dele. Pelo grito, Lídio pensou que veria sangue, vestidos vermelhos e não verdes.