Apraça estava apinhada de gente. Seria não mais que um leve exagero dizer que a cidade estava toda lá. Se, em tempos normais, a festa do padroeiro já era o principal evento do ano, que dirá na época da maior das crises, quando mesmo a esperança havia se tornado escassa.
Naqueles dias, o peso começara a fazer-se sentir, de vez, sobre os filhos daquela terra. Como um predador silencioso que já se anunciava pela sombra projetada, todos sabiam que o momento chegaria, é verdade, mas sabiam apenas como se sabe uma teoria abstrata. Eis que num dia comum, banal como qualquer outro, a hora finalmente veio: as convocações começaram.
Daniel observava as garotas, de saias plissadas, em geral longas – uma ou outra, mais ousada, as vestia pouco acima dos joelhos, deixando entrever as coxas durante a apresentação de danças típicas –, e era inevitável ponderar: seria a última vez que estava ali, junto da sua gente, em festa? Tinha sido convocado logo na primeira leva, e em breve se apresentaria; mas os demais rapazes não se iludiam: sabiam que, mais cedo do que tarde, os tentáculos da guerra logo os apanhariam também.
O ânimo geral era estranho, e mesmo a alegria era tensa, de risos mais forçados do que naturais, como máscaras tragicômicas.