[Leia a primeira parte do ensaio]
Por Rodrigo Duarte Garcia
A obra pequena de Coleridge é uma das mais extraordinárias já escritas. Conta-se que William Wordsworth – vaidosíssimo – quase caiu para trás quando Coleridge apareceu com “The Rime of the Ancient Mariner”, sua principal contribuição para as Lyrical Ballads: um poema longo e estranho sobre maldições sobrenaturais, serpentes marinhas de “luz élfica” e marinheiros-fantasmas condenados a ter suas almas disputadas em jogos de dados, cruzando o globo em mares de gelo, até os confins da terra. Afinal, que diabos era aquilo? Onde estavam os temas pastoris e as cenas cotidianas do campo, defendidas com unhas e dentes no prefácio das Baladas?
Coleridge parecia não se importar e a verdade é que – de todos os princípios enumerados por Wordsworth – reconhecia ali apenas a ideia de escrever em uma linguagem bastante simples e direta. E só. De fato, mesmo em seus melhores poemas líricos – com raras exceções que confirmam a regra –, a impressão é que Coleridge dava sempre preferência a um tom mais sereno, evitando a grandiloquência e o sentimentalismo. Como nos dísticos de “Phantom”, uma pequena obra-prima:
“All look and likeness caught from earth, “Da terra toda a semelhança, All accident of kin and birth, Todas as marcas de nascença, Had pass’d away. There was no trace Tinham morrido. Nem mais nada, Of aught on that illumined face, Traço algum na face iluminada, Upraised beneath the rifted stone Única em seu céu, mas saída But of one spirit all her own; - Toda de uma rocha partida; - She, she herself, and only she, Ela, ela mesma, e ela somente, Shone through her body visibly.” Brilhava ali visivelmente.”
Coleridge escreveu grandes versos líricos, especialmente os “Poemas de Conversação”. E se entre todas as idiossincrasias é preciso apontar preferências, as minhas são “This Lime-Tree Bower My Prison” e “Frost at Midnight”, em que ele parte da contemplação do filho pequeno que dorme no berço a seu lado, durante uma noite solitária de inverno, para meditar sobre a passagem do tempo e o poder redentor da memória (aliás, mito tipicamente Romântico).
Mas, se de um lado a poesia lírica de Coleridge é mesmo acima da média, não é ela que o torna único e – heresia para alguns – o maior poeta do Romantismo inglês. Naquele ano de 1798, quando William Wordsworth pretendeu fundar um novo jeito de se escrever poesia, enunciando princípios radicais de cima para baixo, Samuel Taylor Coleridge ouviu o que ele tinha a dizer e aplicou-o sobre toda a bagagem de uma tradição poética existente desde Homero. Ele escreveria sim em linguagem simples e comum, mas, no lugar de temas pastoris, escolheria os extraordinários, medievalísticos e grandiosos. Imagens épicas e cheias de mistério. Em outras palavras, criaria mitos.