Anselmo Gusmão, meu amigo há mais de sessenta anos, ficou cinco dias internado no hospital Sírio Libanês de São Paulo.
Após vinte e quatro horas de uma febre intensa e repentina, Dona Rita Gusmão, sua esposa, convenceu-o de que deveria ir ao hospital.
Ao perceber a gravidade do quadro, o médico plantonista que o atendeu determinou sua imediata internação.
Dona Rita telefonou-me na manhã seguinte e imediatamente fui ao meu amigo. Embora ele estivesse estável e seu médico confiante, tomou-me uma angústia contra a qual me supunha imunizado, e que só a muito custo consegui disfarçar.
A verdade é que a partir de certa idade tornamo-nos mais egoístas e, paradoxalmente, tememos mais a morte alheia que a nossa própria.
Dona Rita Gusmão passou as noites no hospital; as manhãs e tardes couberam a mim e ao nosso amigo Paulo Moreira Fernandes, que insistiu em levar quibe frito para o Anselmo sob o argumento de que se ele não morresse da doença morreria de tristeza pelas sopas e caldos insossos que lhe eram servidos.
Felizmente, a partir do terceiro dia, Anselmo foi declarado fora de perigo. Tão logo sentiu-se melhor, advertiu-nos de que, para efeitos das notícias a terceiros, ele fora acometido por uma virose e, se houvesse insistência no detalhamento, que disséssemos ter se tratado do Flavvirus.
Anselmo, que não mente nem sequer socialmente, não mentiu. Ele foi vítima de uma virose causada pelo Flavvirus, nome científico do gênero viral que causa a dengue.
A dengue — como a chikungunya, o zika e a febre amarela — é arbovírus, isto é, vírus que tem por vetor artrópodes, como carrapatos, pulgas e moscas.
No caso de Anselmo Gusmão, foi um mosquito. Picou-o e acamou-o.
Em pleno século XXI, uma doença que não existiria se as garrafas ficassem emborcadas, os vasos de plantas ficassem secos e os pneus ficassem nos automóveis, quase matou meu amigo.
Reconheço, entretanto, que a dengue não é apanágio do Brasil. Outras superpotências como Camboja e Bangladesh igualmente padecem do mal.
Mas parece que por aqui vai piorar. Segundo o jornal Estado de São Paulo (dia 13/02), o carnaval deve levar ao aumento dos casos de dengue. A notícia afirma que dois fatores colaboram para isso: a aglomeração, que permite ao mosquito picar alguém com dengue e contaminar outro folião, e a pouca roupa, que confere ao mosquito vastíssimo espaço de atuação.
Os carnavais sempre foram focos de proliferação. Isso não é novidade. Contudo, a prevenção era um cuidado a ser tomado exclusivamente pelos carnavalescos que não estivessem dispostos a, nos meses seguintes, gastar com fraldas ou penicilina.
A modernidade, porém, impõe a nós, velhos do tempo do entrudo, que nos previnamos para as festividades carnavalescas, ainda que os jornais sejam o mais próximo que chegaremos da avenida.
Máscaras contra a covid e repelente contra a dengue, eis a fantasia da ala dos anciãos.
Há tempos sei serem ilusões as promessas do estoicismo ortodoxo. Bem-estar e felicidade dependem do ambiente que nos cerca e, hoje, estamos cercados por bloquinhos.
O que já ouvi mais de uma vez, remete para o velho deitado italiano (é um trocadilho sem graça eu sei, Telles. Mas como você escreveu sobre o seu amigo, não perco a oportunidade).
"Se non è vero, è ben trovato."
Perdemos a guerra contra o mosquito bem na intersecção. O governo faz sua parte e o cidadão faz sua parte. Mas entre uma e outra fica um vazio que o bichinho toma conta.
Boa tarde, Bernardo Telles!
Bom te ver e ler seu texto!
Sim, cercados por bloquinhos e muitos pernilongos!
Falta educação de base, enquanto isso, vemos crescer novas gerações que manterão esses bloquinhos intactos, infelizmente!
Fico feliz de ver que o trio de amigos, você, Anselmo e Paulo, continuam unidos e agora, todos saudáveis!
Continue conosco, por favor, Bernardo! Amo ter notícias do seu cotidiano! Parece até que faço parte dele, adooooooro! 🙌