O estagiário do NEIM acredita ser um abuso ter de trabalhar em dia de feriado. Pior do que isso é ler o texto de Fernanda Torres, a quem os sabujos, os puxa-sacos e a periferia das celebridades insistem em chamar de “a filha da Fernandona”
Começa assim a diatribe de Fernanda Torres na “Folha de S.Paulo”:
A classe artística brasileira é a Geni oficial do país.
Perguntar ainda não ofende, então, aqui vai: É sério mesmo que a Fernanda Torres vai falar que a classe artística é vítima das circunstâncias em um país de famélicos, endividados e deprimidos? Parece que sim:
Pega no olho do furacão da guerra ideológica, ela virou alvo dos fuzis da extrema direita ao mesmo tempo em que o racha na trincheira da esquerda progressista se ocupou do fogo amigo, com a intelligentsia dos grandes centros tachada de elite branca privilegiada pelos que ganharam voz com a revolução das redes.
Vejam só que injustiça: a direita (sempre extrema) já sai perseguindo a classe artística com armas. E a esquerda é responsável pelo fogo amigo... que seria o que mesmo? Ah, sim: há quem diga, notem o tamanho da audácia, que os artistas brasileiros são nepobabies - os herdeiros que se aproveitam do prestígio de seus pais e mães no mundo das artes para conquistar vantagem na indústria cultural brasileira.
Mas é claro que isso não acontece, não é, Fernanda Torres, filha da Fernanda Montenegro, a Fernandona?:
Infâmias e fake news são as armas costumeiras do campo de batalha, sendo que, de todas as formas de achaque, a falácia ad hominem é a mais disseminada. Nela, em vez de se debater o argumento, ataca-se quem argumentou, bastando pegar a pedra da Lei Rouanet e jogar em quem bem lhe der na telha, para eliminar do tabuleiro os que ousem proteger os interesses da classe.
Para Fernanda Torres, criticar a Lei Rouanet é pegar nas pedras; perguntar se é legítima a renúncia fiscal de grandes empresas para patrocinar um filme de Jorge Furtado ou projeto do Andrucha Waddington, ou então que conte com os mesmos amigos-do-rei na produção, é coisa de quem quer eliminar do tabuleiro “os que ousem proteger os interesses da classe” [sic].
Fernanda Torres revela que é tudo pose. Conforme suas palavras, a classe artística não apenas só aceita elogios rasgados à moda programas como o finado Videoshow ou “O bonequinho do Globo viu”, como também entende que debater o argumento significa aceitar a premissa de quem defende a Lei Rouanet.
Mas os parágrafos seguintes é que mostram a verdadeira agenda de Fernanda Torres: a defesa do PL da Globo:
E é nesse campo minado que a indústria de audiovisual debate, no Senado e na Câmara dos Deputados, uma das mais importantes deliberações sobre o futuro do setor. Falo da regulação das plataformas de streaming, que há 13 anos operam no país sem legislação adequada.
No Congresso, o lobby dos grandes grupos de tecnologia é gigantesco. As leis que estão prestes a serem votadas decidirão se o audiovisual brasileiro se transformará em mero prestador de serviço ou dono do conteúdo que gera.
Seria mais honesto se Fernanda Torres não jogasse areia nos olhos dos leitores por tantos parágrafos. Todo esse vitimismo só para defender a “regulação das plataformas do streaming”?
De um lado, estão as Big Techs, os verdadeiros vilões dessa história [além da extrema direita, claro]; de outro, os artistas que são a Geni, os injustiçados, os talentos explorados, os meros prestadores de serviço.
[Onde já se viu, eu sou filha da Fernanda Montenegro, porra?]:
O que se discute é não apenas o acesso aos investimentos públicos ou a taxação adequada mas o controle sobre a próprio conteúdo. Nas condições atuais, os criadores, uma vez assinado o contrato, abrem mão de qualquer ingerência sobre a criação.
Foi o que aconteceu com Konrad Dantas, o Kondzilla, idealizador do sucesso "Sintonia", que foi afastado da terceira temporada da série.
Embora se definam como artistas da fome, Fernanda Torres e sua turma querem “acesso aos investimentos públicos” e comando criativo de toda a produção. Não parece uma demanda descabida. Nas democracias representativas, a defesa dos próprios interesses é parte do jogo. Só não peçam para que a população aceite isso sem identificar aqui um padrão de manutenção de privilégios.
Apesar da atriz-articulista cite uma personalidade periférica, Kondzilla, para reforçar seu argumento [o destino das minorias no Brasil é nada menos que cruel: antes pobre e invisível, agora instrumento do tokenismo], no final das contas, quem vai se aproveitar do acesso aos investimentos públicos é o coletivo 342 da Paula Lavigne:
[O advogado do NEIM nunca dorme e, junto com o cara do TI, deixou um comando no tradutor de lero-lero para não perguntar do caso da governanta. a sra. Edna]
E ainda há uma diferenciação a ser feita entre as plataformas de streaming nacionais e as estrangeiras. O mercado atual é altamente volúvel, com compras e assimilações constantes, que provocam demissões em massa de executivos de baixo e alto escalão, além da interrupção de projetos nos cinco continentes cada vez que uma Warner encampa uma HBO e depois é adquirida por uma Discovery.
Sem leis que as protejam, as plataformas brasileiras de streaming correm um risco ainda maior de virar sardinha num mar de tubarões.
O projeto da Câmara, como era de esperar, enfrenta oposição severa. Mas o ódio à cultura é tão violento que até o PL do Senado foi atacado pela direita radical, por considerá-lo favorável às empresas Globo.
Entendeu, leitor do NEIM? O problema, para variar, é do capitalismo malvadão, que insiste em deixar empresas saírem se articulando, se comprando, se fundindo. Daí, os executivos são demitidos, tadinhos, com aqueles bônus milionários. As leis têm proteger isso!
E se você, ai-de-ti, leitor astuto do NEIM, não concordar, já sabe: é massa de manobra do ódio à cultura e/ou integrante da direta radical/extrema direita.
Perguntar ainda não ofende: o projeto de lei em questão não é favorável às empresas Globo, que empregam Fernanda Montenegro e, ao menos em alguns projetos, sua filha, Fernanda Torres?:
Os interesses envolvidos e a irracionalidade são tamanhos que o mais provável é que se entregue a indústria de audiovisual brasileira de mão beijada para CEOs que nunca ouviram falar de Diadorim.
Fernanda Torres alcança aqui níveis estratosféricos de sofisticação argumentativa. Se as coisas continuarem como estão, diz o texto da atriz-articulista, pessoas que não leram Guimarães Rosa poderão comandar a indústria criativa brasileira. Onde já se viu? Executivos que não conhecem Grande Sertão: Veredas? (#pensamentoinconfessável do estagiário: vamos chamar o professor de literatura do Etapa da unidade São Joaquim para presidir uma dessas empresas?):
Donos de uma identidade cultural própria, somos mais do que meros apreciadores de enlatados. Ninguém deseja viver num país fechado para o mundo, as plataformas de streaming são mais do que bem-vindas, mas, assim como na Europa e nos Estados Unidos, é preciso preservar a saúde da economia criativa local.
Muitos foram os retrocessos causados por 20 anos de ditadura militar. Mas havia, pelo menos, nos anos de chumbo, uma estratégia nacionalista de desenvolvimento para o Brasil, que nos rendeu a Embrapa e a Embraer. O setor de telecomunicação foi protegido e o cinema, mesmo debaixo de censura, contou com a Embrafilme.
Então é isso, Fernanda Torres? Tantas palavras para defender protecionismo? Para que possamos assistir mais Ingrid Guimarães e Fabio Porchat no GNT? E Paulinho Gogó no Multishow?
São textos assim que transformam a classe artística na Geni oficial do país.
Na Netflix, por exemplo, há diversas produções espanholas, coreanas, argentinas e de outras línguas. Algumas boas, outras nem tanto. Quando se vê uma brasileira, é lixo puro, glamourização da miséria, panfletagem ideológica. Alguém consegue assistir? Quem não tem competência não se estabelece. Só com protecionismo mesmo.
Fernanda quem, mesmo?