#ApostaNaIgnorância
Entra governo e sai governo, educação e ciência servem apenas como plataforma barata de marketing
Em pesquisa divulgada hoje pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, no dia em que escrevo este texto, 9 de julho, ficamos sabendo que, em média, 34% dos adultos entre 18 e 35 anos adiaram o ingresso no ensino superior por conta de “gastos com bets”. Nas classes mais desfavorecidas, 43% julgam que precisariam parar de gastar dinheiro com apostas virtuais caso quisessem entrar na universidade. Isso significa que quase 1 milhão de brasileiros que poderiam estar na universidade, não estão por conta de bets e assemelhados.
Os resultados têm múltiplas camadas e aceitam ser vistos por diversas perspectivas. Assim, é impossível perseguir todas aqui e, honestamente, nem todas me interessam. Vão então apenas algumas observações mais gerais que, como sói acontecer nesses casos, podem desagradar a muitos e agradar a uns poucos:
Uma parte considerável da população brasileira vem progressivamente, ao longo dos últimos anos, demonstrando um anti-intelectualismo em geral e um antiacademicismo em particular. Se é verdade que alguns especialistas e acadêmicos têm parcela de culpa, por um total descolamento para com a realidade vivida da imensa maioria da população, também é igualmente verdade que tais movimentos anti-intelectualistas foram fustigados e alimentados com claros interesses políticos e eleitorais e refletem muito menos o que se passa na realidade do professor e do pesquisador do que aquele ideário gosta de fazer parecer. Não seja ingênuo; o famigerado “nós contra eles” admite muitas formas e variações. E sabe o que é um excelente antídoto contra ser utilizado como massa de manobra de qualquer lado? Não tem mágica: estudo e informação;
No mundo todo o ingresso no ensino superior vem caindo. Isso se dá por diversos fatores que não cabem aqui. No entanto, o Brasil é um país subdesenvolvido economicamente e ainda tem muito chão a percorrer antes de que se possa dar ao luxo de poder renunciar a engenheiros, médicos, professores e cientistas vários.
Segundo o último censo do IBGE, apenas 18,4% da população brasileira tem ensino superior. A média dos países da OCDE é 48%. Some-se a isso que, segundo os últimos resultados do Índice Nacional de Analfabetismo Funcional, 65% dos brasileiros é analfabeto funcional ou tem alfabetização elementar. Assim, não me parece que nossa economia e nossa produção intelectual está pronta para abrir mão dos egressos do estudo formal em todos os níveis, para abraçar um exército de jovens que acha que vai viver sendo influencer com vídeo nas redes sociais ou enriquecer de maneira fácil com bets e tigrinho;
O que disse por último toca em um ponto ainda mais doloroso. O brasileiro parece ter uma atração ancestral, atávica, pela ideia de ficar rico rápido e sem esforço e, se possível, levando certa vantagem não totalmente honesta sobre outros. As razões profundas ficam para historiadores, antropólogos e sociólogos. Não vou me atrever a mais do que apontar um fato difícil de negar diante das estatísticas. O problema é o que devemos fazer sobre isso;
Por último, apenas mais um lembrete sobre o futuro: o Brasil está em franca mudança da sua pirâmide etária. No último censo do IBGE, vemos que mais de 80% da população tem mais de 15 anos. Em 1980 esse número não chegava a 65%. O que é comum a todos os países que se saíram bem nesse processo é o fato de investirem em qualidade da educação e ciência de ponta. A ideia é simples: com menos crianças e adolescentes, é possível investir mais na qualidade do ensino médio e superior do que na abertura de novas vagas para ingressantes no início do processo. No entanto, entra governo e sai governo, educação e ciência servem apenas como plataforma barata de marketing. A gente continua achando engraçada a “fuga de cérebros”. Mas na prática, até se você se preocupa com o colapso do INSS é para a geração de riqueza que deveríamos olhar. Não investir nisso é tão estúpido quanto esperar a carta do tigrinho.
Cada país tem a epidemia de opioides que merece…