[Leia a segunda parte do ensaio]
Por Rodrigo Duarte Garcia
Linguagem e Estilo
Mas de que vale uma boa história se estiver escrita em estilo pedestre e por frases sem ritmo, repletas de anacolutos e metáforas pobres? A verdade é que o apuro da linguagem – dicção e melodia, diria Aristóteles – é também atributo essencial de um grande romance. Se as palavras são a ferramenta da literatura para atingir a sua finalidade específica (de espelhar a realidade em imagens e histórias), utilizar essa ferramenta com perfeição significa escolher as palavras mais adequadas, dispondo-as na melhor ordem possível para a representação que se pretende. E isso requer estudo, prática, e um ouvido treinado para reproduzir na arte escrita o ritmo da língua falada.
É só ler em voz alta uma página aleatória de Memórias Póstumas de Brás Cubas, ou qualquer sermão do Padre Vieira, para que a música salte aos ouvidos. Até mesmo de forma independente do próprio conteúdo. Nabokov costumava ler, no original, páginas e mais páginas de Anna Kariênina e A Morte de Ivan Ilitch aos seus alunos americanos de Cornell. Ele achava – com razão – que aquela era a melhor maneira de mostrar que Tolstói é também um grande estilista. A música e o ritmo importavam muito mais do que o fato de que os seus ouvintes, completamente ignorantes na língua russa, não entendiam uma única palavra do que lhes era lido.
Embora eu também não fale russo – nem tenha tido a sorte de ser aluno de Nabokov –, as traduções de Guerra e Paz em língua portuguesa parecem suficientes para mostrar a habilidade com que Tolstói constrói cada cena, o domínio das imagens e do ritmo com que são apresentadas. E, se de um lado o seu estilo era famoso pela limpidez econômica do mot juste, de outro ele se valia de inúmeras repetições para reforçar algumas características marcantes, especialmente dos personagens. A técnica é usada desde Homero, que se referia a certos personagens e cenas sempre através da mesma fórmula[1]. Em Guerra e Paz – para ficar em alguns poucos exemplos – a palavra “choro” acaba repetida seguidamente, na passagem que conta a morte do Príncipe André (o que dá esse efeito prosódico muito bonito ao texto), e “redondo” é usada cinco vezes em uma única frase, para descrever o camponês Karataiev.