[Leia aqui a terceira parte do ensaio]
Por Rodrigo Duarte Garcia
Moral
Mas os personagens agem na história e dessas ações surgem dilemas, confrontos psicológicos e morais sobre cada escolha que é preciso fazer. Viver é escolher a todo instante, e se nossas escolhas livres têm consequências, isso é ao mesmo tempo um dos aspectos mais terríveis e mais fascinantes da vida. Por consequência, também da arte. De modo que ética e estética andam juntas, e um grande autor é aquele que também sabe criar, representar e resolver artisticamente essa existência moral do homem em suas histórias.
Com Tolstói, era gigantesco o risco de que a questão resultasse em um fracasso da obra, contaminando-a com as pregações de suas doutrinas particulares – o tolstoísmo –, uma mistura bastante esquisita de pacifismo, socialismo agrário e cristianismo água-com-açúcar. É mesmo desastrosa a tentativa de transformar uma peça de propaganda política ou religiosa em arte. O enredo parece sempre pretexto e as questões morais acabam soando artificiais e esteticamente muito pobres. Com a exceção das obras tardias[1], não é o caso de Tolstói. Em seus grandes romances, o gênio prevalece sobre o ideólogo.
E não se confunda a afinidade que possuía com a linhagem (hoje cada vez mais escassa) de escritores que simplesmente têm uma visão sobrenatural das coisas. Autores para quem a realidade é metafísica e misteriosa, de modo que só mesmo assim poderá ser representada nas obras de ficção. O que, convenhamos, é muito diferente de qualquer espécie de proselitismo.