“Da morte de um pai não se recupera jamais”.
Essa sentença definitiva, ouvi-a de Carlos Machado, um senhor que por décadas foi o mais leal amigo de José Rochedo Telles, meu pai.
Carlos Machado, eu e meus tios, Antero Telles e Francisco Telles, carregamos o ataúde e acompanhamos, em absoluto silêncio, o sepultamento de José Rochedo Telles.
Após as exéquias, acompanhei o senhor Carlos Machado até o táxi que o aguardava; antes de embarcar, bengala em punho, pronunciou as palavras fatais que nunca me abandonariam: “da morte de um pai não se recupera jamais”.
A morte de meu pai não foi trágica. Morreu aos sessenta e três anos, ladeado pelos seus familiares e sem sentir a dor da viuvez. Recebeu o viático e morreu; morreu em casa, como se costumava morrer em tempos mais civilizados.
Dia 15 de julho completar-se-ão quarenta anos de sua morte. Há quarenta anos sinto saudades; umas saudades tranquilas, serenas e que repousam na dulcíssima certeza de ter dito tudo que havia para dizer e vivido tudo que foi possível viver.
O vínculo entre o filho homem e seu pai é incomparável porque é gênero sem espécie. O amor que o filho recebe da mãe por mera graça, ele só recebe do pai se estiver disposto a algum empenho, ainda que mínimo.
Esse empenho passa pela imitação. Os filhos homens imitam o pai em seus vícios e em suas virtudes, e, por isso mesmo, quanto menos virtuoso for o pai menores as chances de o filho ser amado por ele.
Eu sigo imitando meu pai e, muitas vezes, só tomo consciência da mimese mais tarde.
Há mais ou menos um mês fui tomado por uma discreta obsessão: encontrar canetas Parker Duofold.
Como quem procura acha, achei-as e comprei-as na Ravil; comprei-as do Thiago, sobrinho do finado senhor Sebastião, cavalheiro competentíssimo e bastante mal-humorado.
Thiago mostrou-me três peças; acabei por comprar duas, uma alaranjada e uma outra – a que interessa, se é que isso tem algum interesse – azul, de 1930.
Enviei fotografias delas para meu sobrinho, Luís Felipe, que, a despeito de ser jovem, tem bom gosto. Pouco tempo depois, Maria Inês Telles, mãe de Luís Felipe e minha irmã mais velha, telefonou-me.
Emocionada, quis saber como consegui encontrar uma caneta idêntica à que teve nosso pai. Ela falava da caneta Parker Duofold azul, de 1930.
Eu não tinha e continuo sem ter memória dessa caneta ou de qualquer outra caneta usada por José Rochedo Telles, mas de algum modo senti-me mais próximo de meu pai.
Maria Inês presenteou-me generosamente com a memória que nunca tive, e eu só pude retribuí-la pobremente: dei-lhe caneta azul.
Em tempo de "canetas azuis" sem nenhuma poesia e mesmo assim celebradas, surge nosso amado Bernardo Telles lhes resgatando o valor! Meu pai usava Parkers também, porém, mais modestas, do modelo "51". Ainda vivo e octogenário, meu pai será relembrado de sua Parker graças a este lindo texto do nosso Bernardo. Assim como ele, que se lembrou dos detalhes da caneta de seu pai apenas agora e com ajuda de sua irmã, certamente relembrarei ao meu pai o quanto ele já gostou de algo tão presente em sua vida: a sua caneta.
Nem tenho palavras diante de tanta sensibilidade. Como é possível na simplicidade se encontrar tanta beleza? São histórias singelas contadas de uma forma sem igual! Simplesmente lindo.