#FogoNaMenteDosHomens (2)
Uma leitura inusitada da saga "Duna", de Frank Herbert a Denis Villeneuve
[Leia a primeira parte do ensaio]
Fé messiânica
Entre os anos 60 e o início dos 70, a literatura de ficção científica (FC) passou por uma de suas mais profundas transformações. As missões orbitais e a chegada do homem à lua geraram entusiasmo e esperança em um futuro que agora parecia se realizar, um futuro em que a tecnologia e as ciências lógicas dariam as respostas definitivas para nossa existência, algo preconizado, por exemplo, na obra Fundação, de Isaac Asimov.
Mas boa parte desse otimismo iria desaparecer com a realidade tediosa que envolvia as viagens espaciais, com o alto custo das missões, e com a sensação de que nossos problemas existenciais e íntimos continuavam os mesmos, ainda que vistos do espaço. Parte da resposta a este ennui imaginativo foi o surgimento de uma nova geração de escritores de ficção científica que abandonaram o imaginário das viagens intergalácticas, o contato com seres extraterrestres, o otimismo com as ciências lógico-matemáticas, e passaram a trabalhar em uma chave mais próxima de nossa realidade, na qual o futuro tornava-se opaco, assombrado.
Conhecida como geração new wave (em uma vaga associação com a nouvelle vague francesa), escritores como J.G. Ballard, Michael Moorcock, Brian Aldiss, etc, entendiam que mais do que conteúdo ou ideias, faltavam à literatura de ficção científica forma, estilo e estética. Há na obra desses autores uma sensibilidade modernista, ainda que mesclada com a vitalidade popular do gênero. O movimento new wave mostrava que a literatura de ficção científica – diante da realidade tediosa e custosa do impacto das inovações tecnológicas na vida do homem comum – poderia buscar novas fontes de inspiração para seu imaginário; assim, a FC hard buscou no ambientalismo, na sociologia, na política e na religião novos e fascinantes tropos narrativos.
Ambientalismo, sociologia, política e religião são justamente os fundamentos da arquitetura de Duna, de Frank Herbert, publicado em 1965, obra que irá se expandir em títulos subsequentes, e que de forma exponencial e coletiva irá se tornar um dos grandes universos ficcionais da literatura de fantasia/sci-fi. (Além de cinco sequências escritas pelo próprio Herbert, o megatexto de Duna foi ampliado por duas sequências póstumas, autorizadas por seu filho, Brian, além de onze prelúdios, filmes, duas séries de televisão, videogames e quadrinhos. Ainda que não tenha o apelo popular de séries como Guerra nas Estrelas ou Jornada nas Estrelas, trata-se de um universo tão amplo e coletivo quanto essas obras.)
E como toda grande obra artística, Duna não surge no vácuo e podemos reconhecer em autores e obras publicadas no período o mesmo tipo de preocupação e imaginário – e já citado na primeira parte deste texto – que encontramos em O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, ao menos uma década antes: Quais forças movem a História? Qual o impacto da tecnologia humana no ambiente? Que escolhas temos diante do mal e do horror? Há um sentido na História? Temos consciência e poder para moldar nosso destino?