[Leia a primeira parte do ensaio]
Por Rodrigo Duarte Garcia
Em An Outpost of Progress, Joseph Conrad escreve que um “homem destrói tudo nele mesmo: amor e ódio e fé, e até mesmo suas dúvidas; mas, enquanto se agarrar à vida, não poderá destruir o medo; o medo sutil, indestrutível e terrível que permeia seu ser”. Conrad conta sobre esse medo radical que pouco a pouco toma conta de dois britânicos lotados em um posto comercial isolado na selva, à beira de um rio da África Central. É uma história terrível – e com desfecho trágico –, em que o terror é representado por essa espiral sinfônica que aumenta, pouco a pouco, o drama dos personagens: do desconhecimento inicial da língua à impossibilidade de sair dali para qualquer outro lugar; das pequenas atitudes incompreensíveis de um povo diferente a percussões tribais misteriosas que chegam da mata. Tudo sugere e conspira a favor daquele sentimento opressor de dois homens completamente isolados da civilização. Como deixou claríssimo no prefácio de A Linha de Sombra[1], Conrad rejeitava a necessidade de enredos sobrenaturais, de maneira que se trata de um medo que não parte de nada bizarro ou metafísico. É o terror simples que vem de circunstâncias aterradoras da realidade natural como a conhecemos, mas na pior das hipóteses imaginadas.
A bem da verdade, o medo é privilégio de mentes imaginativas: de quem desconfia que há centenas de outras possibilidades para o barulho lá fora - além de “apenas o vento” –, de quem imagina as coisas estranhas que podem sair de uma floresta à noite, de quem olha para o céu estrelado e não pensa somente que “amanhã fará bom tempo”. Não há nada mais raso do que um sujeito que diz não ter medo de nada. Ou há: o sujeito que, não sendo Joseph Conrad, diz que devemos ter medo dos vivos e não dos mortos.
Nas famosas linhas iniciais do clássico O Horror Sobrenatural na Literatura, H.P. Lovecraft diz que a emoção mais intensa e antiga da humanidade é o medo, e que o mais intenso e antigo medo é o medo do desconhecido. Em outras palavras, de tudo o que escapa da realidade visível e palpável: o mundo sobrenatural.