#interludio: A Atrofia da Razão (2)
A religião e a filosofia ficaram esvaziadas de racionalidade no debate público.
[Leia a primeira parte do ensaio]
Uma faceta mais explícita do fenômeno que indico aqui se deixa ver naquela que se tornou a exposição paradigmática do que se convencionou chamar de “desafio evidencialista”. Ela pode ser sintetizada em uma das fórmulas presentes no texto clássico de William K. Clifford, matemático e filósofo britânico do final do século XIX, The Ethics of Belief. A tese principal do escrito é a de que só estaríamos eticamente justificados em manter aquelas crenças para as quais dispomos de evidências suficientes. Assim, conversamente, nas palavras de Clifford, “Em suma: é errado sempre, em todo lugar e para qualquer pessoa, acreditar em algo para o qual se tenha evidência insuficiente” [1].
Da asserção de Clifford se segue, portanto, que a evidência é tanto a justificação epistêmica de qualquer espécie de crença, como também de seu valor positivo moral. Aqui poderíamos divergir para o longo debate acerca do próprio conceito de “evidência” já que o seu sentido mesmo não goza de evidência; a resposta à pergunta sobre o que devemos tomar como evidente não é, ela mesmo, evidente. Mas não é isso o que me interessa fazer aqui. O raciocínio que usualmente se depreende daí não é muito sofisticado: em geral, crenças religiosas não são normalmente amparadas por evidências – ou, ao menos, não do tipo do qual dispomos segundo a noção de racionalidade moldada a partir do modelo das ciências naturais –, logo, a partir da premissa maior de Clifford acima, não apenas é uma falha epistêmica, mas é até mesmo uma falha moral sustentar crenças religiosas. E tal raciocínio é geralmente aplicado a crenças morais, filosóficas e quaisquer outras provenientes de outras matrizes de reflexão.
E aqui chegamos a dois pontos fulcrais sobre os quais desejo jogar luz: