#interludio: Como a Revolta do Subsolo foi importada
O que realmente está acontecendo com a política em Portugal? - Parte II
[Leia aqui a primeira parte do ensaio]
*Por Ricardo Figura Lima
Agora a morte é diferente,
facilitaram-nos o desespero, a angústia
tem já ar condicionado. Em vez
dos bancos de jardim, por certo demasiado
rudes, temos enfim lugares amplos
onde apodrecer a miséria simples do corpo.
Que incalculável felicidade a de percorrer
galerias de nada tresandando a limpeza
e segurança. Aí se abandonam jovens
rebanhos sentados sorrindo ao
vazio palpável, ou ferozmente no meio
dele. Revezam-se - mas quase diríamos
que são os mesmos ainda, exaustos
de contentamento.
Manuel de Freitas, Centro Comercial
Portugal é uma terra onde a opinião de jumento vira cátedra. Uma dessas opiniões, popularizada inclusive nos círculos académicas, é a de que Os Maias, de Eça de Queiróz, é um romance sobre o incesto. Errado. Trata-se, como dizia novamente Vasco Pulido Valente, de “um romance sobre a imitação e não sobre o destino ou o incesto.”
Em qualquer detalhe da obra podemos descobrir o olhar certeiro de Eça encontrando a imitação, sempre deformada, nos prédios, nas ideias, nas personagens. Eça e o grupo intelectual a quem ele pertencia consideravam Portugal um país subalternizado, não apenas financeiramente, mas sobretudo culturalmente. E, de facto, a performance imitativa do país, que daria um belo ensaio na pena de René Girard, é hoje tão portuguesa como um olho azul é sueco ou um kebab é turco. Primeiro a França, depois a Inglaterra, ainda hoje os Estados Unidos e até o próprio Brasil. E, se o meu caro amigo alimentou a peregrina ideia de que a direita portuguesa escaparia a esta maleita centenária, está redondamente enganado.
Em primeiro lugar temos a Iniciativa Liberal, agremiação fundada principalmente por jovens e menos jovens formados nos círculos liberais. Numa primeira fase temos os que se fizeram na blogosfera, em particular n’O Insurgente, que contou com ilustres brasileiros como Bruno Garschagen e Pedro Sette Câmara. Depois, os mais novos mancebos, inspirados pelo MBL e pelo Mises Brasil, enfermidade na qual eu próprio tenho culpas no cartório, dado ter presidido ao Mises Portugal por alguns anos. Como bom partido liberal, a IL é demograficamente um partido de classe média alta num perfil de consultor yuppie de Big 4 que tenta escancarar um manifesto inspirado em Milton Friedman ao bom povo português.
É um partido que tem, de facto, bons quadros e cujo marketing é desenhado em boa parte no que foi o movimento liberal brasileiro pré-Bolsonaro, o que lhe permitiu utilizar inteligentemente as redes e o sentido de humor de forma a estabelecer-se, mas que não lhe permitiu ainda ambicionar a ser um partido para lá dos 8%.
No entanto, existe uma particularidade na nova direita portuguesa, que é o facto de ser uma mera importação sem qualquer tipo de ideias orgânicas. No Chega e nos movimentos similares que vão surgindo até a estética passa pela alfândega. É a Revolta do Subsolo, onde coloca as capitanias dos pequenos pelotões de Burke que constituem a nova direita se unem com o “Homem Subterrâneo” das Memórias do Subsolo de Dostoievski. Nesta dicotomia entre a Revolta das Elites de Lasch e a Revolta do Subsolo, onde o descontentamento dos sufocados pela primeira desafiam o establishment, Portugal não tem um Breitbart, um Olavo de Carvalho ou outro tipo de guia. Por cá, o discurso é importado ao ponto de a figura jovem do Chega, a deputada Rita Matias, ser apanhada constantemente a plagiar discursos de Meloni ou de Milei.