*por Leandro Sarubo
O jornalismo morreu. É um a menos.
A FENAJ, federação nacional dos jornalistas, escreveu um textão reclamando da cobertura carnavalesca da Globo. Para a entidade, a maior festa popular do Brasil perde o brilho quando a emissora número um do ibope troca repórteres cansados por influenciadores dispostos a tudo por dinheiro e cliques.
Eu poderia comentar a má-fé da imprensa especializada, que pariu um número de audiência mandrake para dizer que o povo, em protesto à exclusão dos jornalistas, deu um chute na bunda da Globo. O problema é que ninguém dá a mínima para a imprensa especializada. As redes sociais dinamitaram a organicidade da opinião pública e o restinho de conexão que havia entre o público e os jornalistas. Talvez por isso tanta gente nas redações aplauda a cruzada de Xandão contra Twitter (“X” é nome de mongoloide), Facebook e afins.

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A imprensa brasileira é cínica. Adora se fazer de vítima, mas é responsável por todas as chagas que corroem sua imagem. Folha e Abril, por exemplo, não foram sequestradas pelas big techs, como dão a entender. Elas interpretaram a capa da “Time: Person Of The Year 2006” como uma oportunidade de mercado e prometeram mundos e fundos ao Vale do Silício. A ideia era muito simples e, confesso, tentadora. Do lado editorial, as redações priorizariam a opinião dos leitores, que nesse modelo nunca seriam chamados de tios do Zap, mas sim de formadores de opinião, deixando de gastar rios de dinheiro com repórteres e analistas. Do lado comercial, haveria o desmonte dos departamentos comerciais e a migração para o sistema de ads do Google, o nosso Big Brother. Tudo era lindo, maravilhoso, auspicioso, democrático e sexy até a hora em que os executivos das redes sociais descobriram que poderiam lucrar de forma independente.
Abaixo, vai a capa da Time de 2006, que, na cabeça dos jornalistas brasileiros, seria a prova de que a imprensa poderia fazer a curadoria da opinião pública de fora das redações para dentro. Terminaram sucateados e com Jair Bolsonaro pendurado no pescoço.
Rádio, cinema, TV... todas as mídias “offline” sabiam que a internet e a digitalização do mercado interfeririam drasticamente em seus modelos de sobrevivência. A Netflix é sucessora de uma lojinha de DVDs. A Jovem Pan News, colosso de audiência no YouTube, se apropria do “talk radio” americano, testado antes na Jovem Pan FM. A RedeTV!, quinta rede da TV aberta, encheu o YouTube de pegadinhas do João Kléber para alcançar 13 milhões de inscritos –o SBT, muito mais assistido, tem 12 milhões. Vejam vocês: as distribuidoras de DVDs se adaptaram ao mercado para sobreviver. Se FNAC, Cultura e Saraiva não fossem administradas com os dedos dos pés por seus respectivos executivos, você poderia comprar Succession ou Curb Your Enthusiasm tranquilamente, dado o esforço das produtoras para a manutenção do velho “home entertainment”. Só mesmo a turma do jornalão ficou deitada em berço esplêndido, esperando uma canetada que obrigasse o Google a pagar pelas manchetes estupidificantes do UOL.
O algoritmo da imprensa brasileira, entretanto, é dinâmico. Ele não fica restrito ao sonho da mamata própria, ao delírio do financiamento privado sem contrapartidas –quem fiscalizaria a enfadonha PL 2630? Quando o calo aperta, os pomposos veículos de comunicação da imprensa profissional admitem ser garotos de recados das fontes de seus colunistas. Que a turma da Lava Jato não é muito, digamos, sofisticada intelectualmente, todos nós sabemos. Mas o vazamento das mensagens de Janice Ascari sobre Carmem Lúcia, feitas pela revista Piauí, é esgoto puro. É devassidão. É covardia – imagine você, leitor, o esperneio da “imprensa profissional” se alguém vazasse conversas pessoais de editores ou repórteres sobre autoridades ou celebridades. Certamente alguém evocaria o direito à privacidade, o ódio ao jornalismo, o perigo do extremismo, etc.
A real é que o jornalismo brasileiro, salvo algumas exceções, é constituído por publicadores de releases, plagiadores e fofoqueiros bons de relacionamento, que publicam tudo o que seus padrinhos mandam, seja pessoalmente ou por WhatsApp, abanando o rabinho, orgulhosamente. Claro, ninguém faz reportagem sem sujar o pé de lama. Mas também não se faz reportagem recebendo petiscos da Pedigree. Tem gente viciada em Biscrok Sabor Carne nas redações.
O jornalismo brasileiro tem lado. O lado de dentro da lixeira. O problema não é ideológico. É moral. Pode ser medido no uso de inteligência artificial nas redações, algo claramente mais escancarado, ou na hipocrisia dos colunistas, redatores e editores que tagarelam sobre “respeito” e “democracia” enquanto incensam discussões de botequim, canalhas, para assassinar reputações de algozes declarados e amedrontar quem, de alguma forma, possa ser útil para eles – foi-se o tempo da patrulha de costumes, agora o pessoal quer dizer se os seus pensamentos são certos ou errados.
A imprensa deixou de ser o quarto poder. Na verdade, a imprensa deixou de ser imprensa. Hoje, todos publicam as mesmas histórias, com os mesmos enfoques e os mesmos defeitos. Ninguém apura mais nada. Ninguém lê mais nada. Certa é a SECOM, que gasta mais dinheiro com o “Programa do Ratinho” do que com a Folha de S. Paulo. É melhor café no bule do que porcaria nos olhos.
Leandro Sarubo é chefe de roteiro do The Noite, com Danilo Gentili, e criador do teleguiado.com, site especializado em televisão, imprensa e consumo de mídia. Siga-o aqui e aqui e acesse o canal de WhatsApp do Teleguiado, com análises rápidas e exclusivas sobre a guerra do streaming e a briga pela audiência.
Eu gostaria de saber o que aconteceria se os whatsapps de Daniela Lima, Natuza Neri, Miriam Leitão fossem hackeados.
Que texto pica. Um míssil certeiro na moribunda imprensa canarinho (quiça a mundial)!