#interludio: O Olhar de Górgona (3)
Um ensaio sobre o filme "A Zona de Interesse", de Jonathan Glazer
[Leia aqui a segunda parte do ensaio]
Zona de Inocência
Um satírico é alguém que tem uma visão muito cética e pessimista da natureza humana, mas que ainda tem o otimismo para fazer algum tipo de piada com isso. Por mais brutal que a piada possa ser.
- Stanley Kubrick (1971).
Jonathan Glazer talvez seja um dos cineastas mais idiossincráticos e atípicos trabalhando hoje em dia. É muito difícil de classificar a sua obra - composta somente por quatro filmes, em uma carreira que compreende quase quarenta anos. Seus longas pertence a uma variedade de gêneros: Sexy Beast (idem, 2000) é um neo-noir de humor negro; Reencarnação (Birth, 2004) é um suspense de mistério sobrenatural; Sob a pele (Under the Skin, 2013), uma ficção-científica de invasão alienígena com toques de documentário e horror; e Zona de Interesse (Zone of Interest, 2023), mistura de drama histórico, biografia, documentário e experimental.
Glazer não é um cineasta marginal - trabalha com grandes artistas de Hollywood, e seus longas são sempre reconhecidos pela crítica e festivais, ainda que tenham um apelo limitado. Para além da própria gama de temas, gêneros e assuntos que aborde, é difícil classificar o estilo do diretor, que parece mudar de filme a filme, se moldando à narrativa em questão. Se podemos traçar linhas gerais sobre ele, é que Glazer aborda cada roteiro de uma perspectiva formal bastante rigorosa. A linguagem é tão - senão mais - importante quanto o conteúdo narrativo. O processo de filmagem e produção do filme se torna parte da própria linguagem e estética. Quando falo que há uma dimensão experimental em seu trabalho, não quero dizer vanguardista, mas sim experimental como um cientista, alguém que usa o método de direção como forma de experimento com seus atores e equipe. Por isso, o elo mais comum de Glazer é com Stanley Kubrick - não por acaso, o seu cineasta favorito, e principal referência.