#interludio: Pobreza Intelectual
Bolsonaro era imbrochável; Lula é priápico. Todos nos enrabando.
Por Kovács
A única entrevista
No período em que trabalhei no jornal e tive alguma abertura profissional além da função técnica para a qual eu havia sido contratado, acabei sendo figurante (ou coprotagonista, no máximo) em algumas situações interessantes. Uma, já relatei neste site, foi quando Dilma Rousseff esteve na Embraer de Gavião Peixoto, em maio de 2014.
Era época de eleição. O jornal teve, durante aquele ano, umas páginas especiais, todo domingo, no primeiro caderno, dedicadas à tal festa da democracia. Dilma tentava a reeleição, e acabou levando, mesmo depois dos incidentes de 2013; Aécio Neves almejava tirar o PSDB do ostracismo, e acabou por acentuar a decadência tucana, e Eduardo Campos, “dissidente” do governo, se queria terceira via. Campos, ex-governador de Pernambuco, tinha sido ministro de Ciência e Tecnologia no primeiro governo Lula. No dia 20, eu tinha ido à Embraer cobrir a visita de Dilma; no dia 29, Eduardo Campos veio a Araraquara. No dia 28 à noite, a minha chefe doida (mas do bem) veio falar comigo.
— Géza, formula umas perguntas e vem amanhã, no começo da tarde, pra gente entrevistar o Campos.
Ivan Lessa diz num texto seu que entrevistar político é a coisa mais chata e triste que há no jornalismo, mas eu ainda não tinha lido Ivan Lessa. Óbvio que não seríamos apenas nós dois a entrevistar Campos, mas uma equipe do jornal, cinco ou seis. Nas páginas semanais dedicadas às eleições me fora dada uma coluna de opinião: eu tinha ganhado um peso jornalístico depois de ter sido chutado do articulismo fixo em setembro de 2013, por medo de um dos diretores do grupo de que eu viesse, eventualmente, a processar o jornal por desvio de função. Um arrombado havia feito isso naqueles tempos; logo, o medo se justificava, de alguma maneira, na cabecinha do diretorzinho. Fala-se muito na burocracia do setor público, mas, nos grandes grupos (o jornal pequeno em que eu trabalhava tinha sido anexado por um grande grupo mediático do interior paulista), a burocracia é igualmente presente e acachapante. O motivo de me levarem a sério, na verdade, desconheço: eu era (e sigo sendo) mediano. Leio os textos daquele período e os acho de uma sensaboria total; as conclusões, as deixo ao leitor.
O milagre do Google Drive permitiu que, por acaso, se conservassem as anotações que fiz para a visita de Campos. Cheguei a redigir uma versão deste texto com a reprodução integral das perguntas, mas resolvi suprimi-las. Algumas questões continuam sendo mais do mesmo, outras perderam o sentido e se tornaram quase grego passados dez anos. Redigi umas notas que poderiam virar perguntas e cinco questões completas. Foi o que consegui, às pressas, na manhã do dia 29; a preguiça tinha me impedido de o fazer antes. Era uma sopa de preocupações que eu entendia como gerais (muito água com açúcar) e questões que me interessavam mais pessoalmente, refletindo o meu conjunto de crenças políticas na época.