#interludio: Radiação Manchada de Sangue (2)
"Godzilla Minus One" e a recuperação da história política do Japão no século XX.
[Leia aqui a primeira parte deste ensaio]
5.
Neste momento, o leitor deve estar pensando: “Ok, mas o que diabos isso tem a ver com um filme onde um dinossauro radioativo gigante destrói Tóquio?”. O fato é que o gênero kaiju é um gênero tipicamente japonês do pós-guerra. Apesar de ter surgido na esteira de clássicos americanos como King Kong (idem, 1933), o filme original, de 1954 (dirigido por Ishirō Honda) combina elementos clássicos da cultura e folclore japoneses com a realidade social e de ficção-científica (a própria radiação nuclear) do pós-guerra. Ao longo dos seus 33 filmes, Godzilla veio a representar os medos e as esperanças do povo japonês. De ameaça nuclear a anti-herói, Godzilla passou a simbolizar o próprio Japão - é também o personagem mais famoso a emergir do país, tornando-se um ícone global conhecido por todos. Se, no filme original, ele é um monstro indestrutível que representa o próprio horror da bomba atômica (e até 1952, quando administrava o país, os Estados Unidos proibiam duramente qualquer discussão acerca dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki), nos filmes posteriores ele passa a defender o país de outros kaijus, representando a pujança e a destrutividade da natureza japonesa (vale lembrar que o país é acossado por terremotos, incêndios e maremotos de escala apocalíptica desde sempre), quando não os avanços extraordinários do Japão em tecnologia nos anos 70 e 80.