I think it better that in times like these A poet’s mouth be silent, for in truth We have no gift to set a statesman right; He has had enough of meddling who can please A young girl in the indolence of her youth, Or an old man upon a winter’s night. W.B.Yeats, “On Being Asked For a War Poem”.
1.
Em 1990, logo depois do seu falecimento aos 89 anos, Michael Oakeshott ganhou os melhores registros da sua carreira. Quem o retratou mais fielmente foi o pastor da vila onde morou anonimamente no final da vida (Dorset), que disse o seguinte em seu funeral, após observar as homenagens feitas por jornais nacionais como The Guardian ou The Independent, todas afirmando categoricamente que ele era “talvez o maior filósofo político do século XX” – “Parece que tínhamos um grande homem que vivia entre nós”. O pastor não sabia que, alguns anos antes, mais precisamente durante a Segunda Guerra Mundial, Oakeshott teve essa mesma atitude, quando já era o autor do famoso tratado de epistemologia, Experience and its modes (1933), e, mesmo com uma cadeira de ensino na Universidade de Cambridge, nunca falou sobre a sua verdadeira identidade aos companheiros de exército, preferindo beber cerveja com eles e conversar sobre coisas mais prosaicas. Para ele, ser um professor, um intelectual ou até mesmo um filósofo reconhecido como um scholar ímpar não significava grande coisa.
Estas duas anedotas mostram como eram a modéstia e a falta de pretensão do caráter de Oakeshott não só diante do seu trabalho, mas principalmente diante da sua obra como um dos maiores escritores da língua inglesa.
2.
Um desses livros é um clássico da filosofia moderna, cujo título veio do ensaio “Racionalismo na Política” (Rationalism in Politics), e que causou considerável frisson quando foi lançado em 1947. O argumento é sutil e, ao mesmo tempo, extremamente polêmico, como tudo que tinha “the Oakeshott voice”. Para ele, a política que governava o mundo ocidental, em especial o europeu, possuía uma raiz racionalista nas suas ações, incapaz de aceitar a “capacidade negativa” da existência (Keats), tendo uma “disposição mental de contornos gnósticos”. Graças a isto, a mente de um sujeito que pratica exaustivamente este tipo de racionalismo – que, na verdade, é uma perversão da faculdade de pensar – “não tem atmosfera, mudança de estação e temperatura; seus processos intelectuais, até onde é possível, são insulados de qualquer influência externa e funcionam no vazio”. Seu comportamento habitual é “apontar o dedo para a humanidade”, vendo os tormentos da nossa condição apenas como “uma questão de resolver problemas, e ninguém pode pleitear ser bem-sucedido nessa tarefa se sua ‘razão’ for inflexível devido à rendição ao hábito ou se estiver anuviada por efeito das fumaças da tradição”.
A “política racionalista” dos nossos dias, se podemos chamá-la assim, é uma extensão da “engenharia”, uma “política da perfeição e da uniformidade”, na qual a “erradicação” de qualquer falha ou lacuna torna-se a primeira regra do seu credo, dominando a mente de tal forma que a única coisa que sobra é “uma compreensível utopia”, um “perfeccionismo nos detalhes” e um completo desprezo pela dinâmica imprevisível da conduta humana.
Oakeshott continuaria a se aprofundar nas consequências deste tipo de comportamento da política europeia no ensaio “As ‘massas’ na democracia representativa” (The “masses” in the representative democracy), escrito e publicado em 1961. Quatorze anos depois do surgimento de “Racionalismo na Política”, ele ainda investigava a transformação daquilo que o filósofo espanhol Ortega y Gasset (jamais citado diretamente no texto do inglês) chamava de “homem-massa” – o tipo de sujeito que se tornou “o árbitro do gosto, o ditador da política, o rei não coroado da modernidade”, despertando “medo em alguns, admiração em outros, fascinação em todos”, sempre comparado a “um gafanhoto que está transformando um jardim fértil em deserto quanto o agente que carrega a esperança de uma nova e mais gloriosa civilização”. Para Oakeshott, essas metáforas eram equivocadas porque não abordavam o principal problema. Tratava-se do fato de que o surgimento do “homem-massa” aconteceu somente devido à reviravolta ocorrida no Renascimento, na qual a individualidade passa a ser a medida de todas as coisas e o indivíduo, o Uomo Singulare dos italianos, transforma-se em uma “nova imagem humana” – “não a de Adão ou a de Prometeu, mas a de Proteu” –, em “personagem distinto de todos os outros [personagem anteriores] devido a sua multiplicidade e infinita capacidade de transformação”.
O resultado era óbvio para quem quisesse ver: o indivíduo passou a sofrer ao mesmo tempo com sua grandeza e com a sua solidão, e para sobreviver a tudo isso, tornou-se alguém inadequado para viver na sociedade onde ainda existe concretamente, um “indivíduo manqué”, o produto efetivo da modernidade, que só conseguirá recuperar a sua completude se se render a um sistema de governo que atenda a todas as suas necessidades. No fundo, o “indivíduo manqué” é o “anti-indivíduo” que, por sua vez, se comportava igual ao “militante” que pratica obsessivamente “o impulso de fugir à situação [do seu fracasso existencial] impondo-a ao resto da humanidade”. O que o movia “era unicamente a oportunidade de escapar a ansiedade de ter que ser um indivíduo, além da chance de extirpar do mundo tudo o que lhe convencia de sua falta de aptidão para tal. Sua situação o levou a buscar conforto em comunidades isoladas, insuladas das pressões morais da individualidade. Porém, a oportunidade que ele tanto procurava apareceu de verdade quando reconheceu que, ao invés de estar sozinho no mundo, ele pertencia à classe mais populosa da sociedade moderna na Europa, a classe que não tinha suas próprias escolhas a ser feitas”.
É de se presumir que Oakeshott apresentaria alguma solução para que o indivíduo moderno consiga escapar do “canto das sereias” das ideologias e dos governos que encantavam esses “anti-indivíduos”. Não é o que ele faz em outro ensaio antológico, “Sobre Ser Conservador” (On Being Conservative”), escrito na mesma época em que o filósofo também esboçava as ideias contidas no ensaio de “As ‘Massas’”, mas publicado antecipadamente em 1956. A “atitude conservadora” seria “uma disposição típica de quem acredita ter algo a perder, algo que o tempo ensinou a amar” – e como é retratada no famoso trecho que hoje é citado sem que as pessoas entendam que se trata de um floreio irônico – “é preferir o familiar ao estranho, preferir o que já foi tentado a experimentar, o fato ao mistério, o concreto ao possível, o limitado ao infinito, o que está perto ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, a risada momentânea à felicidade eterna”.
O erro de leitura daqueles que se referem a esta descrição de Oakeshott está no fato de não perceberem que, logo depois, ele classificaria esse tipo de comportamento como o de alguém que não entenderia “os fenômenos da mudança e da inovação”. Seguindo este raciocínio surpreendente, o conservador seria incapaz de perceber o que fazer quando uma mudança se aproxima na sua vida, especialmente se ela envolve alguma inovação radical que tornaria tudo obsoleto. Ao contrário: como o próprio Oakeshott retruca logo em seguida,
“ser conservador não é meramente ter aversão à mudança (o que pode ser uma idiossincrasia); também é uma maneira de nos acomodarmos a mudanças, uma necessidade que se impõe a todo homem. A mudança é sempre uma mudança à identidade, um símbolo de extinção. A identidade de um homem (ou de uma comunidade) não passa de um ensaio ininterrupto de contingências, cada uma à mercê das circunstâncias e com sua significância atrelada à familiaridade. Ela não é uma fortaleza para onde podemos nos retirar, e o único meio que temos de defendê-la (quer dizer, defender nós mesmos) contra as forças hostis da mudança é conduzi-la para a batalha no campo aberto de nossa experiência; jogando todo nosso peso no pé que se encontra temporariamente fincado, ao mesmo tempo cortando laços com qualquer familiaridade que não esteja em iminência de ameaça e com isso assimilando o que é novo sem nos tornarmos irreconhecíveis para nós mesmos”.
Em outras palavras: o conservador é, para Oakeshott, o único sujeito que tem a disposição de aceitar o estranho, o misterioso, o inusitado, o inesperado, o incerto, a surpresa, a alegria da tentativa e do erro, e que, por isso, é incapaz de viver uma ideologia que fascine o “anti-indivíduo” pois está preocupado com tudo aquilo que um “racionalista” deseja evitar a qualquer custo. Dessa forma, é compreensível a hesitação que ele tinha quando tentava-se igualar a disposição conservadora com um comportamento que poderia ser interpretado como religioso, em especial quando entrava na análise da política e da sociedade. Em uma crítica indireta (e infundada, a meu ver) que Oakeshott faz ao T.S. Eliot de A ideia de uma sociedade cristã (1939),
“é dito que o conservador no campo da política assim o é por possuir crenças religiosas; crenças, estas, como a de que há uma lei natural que pode ser deduzida da experiência humana, e em uma ordem providencial refletindo um propósito divino na natureza e na história humana em que seria dever da humanidade conformar sua conduta e se livrar do que gera injustiça e calamidade. Além disso, é dito que uma predisposição ao conservadorismo na política reflete o que pode ser chamado de teoria ‘orgânica’ da sociedade humana; de que ela é ligada à crença no valor absoluto da personalidade humana, e com a convicção em uma primordial propensão dos seres humanos ao pecado. Chegou-se ao ponto de o conservadorismo de um inglês ser associado até mesmo com a família real e o anglicanismo”.
3.
Aqui, o filósofo inglês explicita a sua posição: esta postura sofreria, segundo seu ponto de vista, “de um grande defeito”. Um conservador, argumenta, não precisa que “alguém tenha de acreditar nessas verdades ou lutar por elas”. E vai além: “não acho que ele tenha que estar conectado com nenhuma bandeira em particular sobre o universo, sobre o mundo ou sobre a conduta humana” – e sua diferença específica estaria relacionada ao modo “como a política deve ser costurada no dia a dia e como devem funcionar os instrumentos de governo”, que não teriam nada a ver “com leis divinas ou ordem natural, nem com moral ou religião”, mas sim com “a observação de quatro maneiras de viver que combinadas com o paradigma de que a atividade de governar é específica e limitada, provendo e zelando pelas regras gerais de conduta, que são entendidas, não como planos para se impor atividades substantivas, mas como capazes de possibilitar que as pessoas persigam seus próprios interesses com a frustração mínima”.
Devemos tomar muito cuidado antes de censurar a análise de Oakeshott sobre se a disposição conservadora deveria se aliar ou não a uma visão de mundo religiosa – até porque ele mesmo era, quando jovem, alguém devidamente obcecado pelos assuntos teológicos e metafísicos, o que significa que não se tratava de uma mera revolta adolescente, como podemos supor de muitos cientistas e sofistas dos nossos dias que usam a máscara da maturidade para disfarçar suas fobias do além. O ponto aqui é outro. Oakeshott rejeita a conexão entre o comportamento religioso e o conservadorismo porque ele está preocupado com dois outros perigos que, indiretamente, podem surgir na inusitada união dessas ações. Eles são, respectivamente, a recusa de se ter uma atitude de humildade diante da realidade complexa e, por isso, tem uma reação incompreensível para quem não possui os meios disponíveis de entendê-la (ou, pior, talvez ela seja apenas caos e desordem para o racionalista que queira apreendê-la na sua teoria simples e errada); e um desejo de querer interferir naquilo que jamais pode ser reduzido a um sistema linear, como parece ser o caso do fenômeno político, especialmente numa sociedade intrincada como a europeia.
Esses dois alertas que Oakeshott faz para que a disposição conservadora não se transforme em mais uma ideologia que aprisione o “anti-indivíduo” são partes daquela diferença essencial que comprova a idiossincrasia do pensamento do inglês, na qual Anthony Quinton chamou muito bem, em seu livro The Politics of Imperfection (1978), de “conservadorismo epistemológico” – o que é algo completamente diferente daquilo que acreditamos ser um “conservadorismo político”. Oakeshott desconfia de tudo que se apresente como definitivo, seja a religião ou o poder de comandar que a substituiria por meio das técnicas racionalistas. Neste aspecto, seu exemplo maior de filósofo sempre foi o francês Michel de Montaigne que, com seu saudável ceticismo sobre a falibilidade humana, lhe deu a seguinte lição, descrita no pequeno livro publicado postumamente, o fundamental A Política da Fé e a Política do Ceticismo (1996):
“Montaigne não tem ilusões sobre o poder humano. O costume é soberano na vida humana; possui uma segunda natureza, e ele não é menos poderoso. E isto, longe de ser algo deplorável, é indispensável. Pois o homem é composto de contradições que, se ele conseguir aproveitar qualquer coerência em suas atividades ou qualquer tranquilidade entre seus colegas, precisará da ajuda de uma lei a ser obedecida. Mas a virtude de uma lei não é apenas que ela é ‘justa’, mas sim que é consentida. De fato, até mesmo pelos padrões normais, os costumes, como eles existem, e as leis, como são administradas, estão muito mais para serem ‘injustas’ e certamente elas são nada além do que contingentes e locais: nós as obedecemos porque têm sua utilidade, e nada mais impositivo do que isso pode ser alegado a respeito delas. E tanto o empreendimento de fazer os acordos em uma sociedade facilita a perfeição humana, como o de impor um padrão compreensível de ação sobre o sujeito, são projetos que estão fora de sintonia com as condições da vida humana. Que sais-je [O que eu sei?]: o que estou tão certo a respeito dela que eu deveria direcionar toda a energia e todas as atividades da humanidade para obtê-la? E sacrificar a ordem modesta de uma sociedade para o bem da unidade moral ou uma ‘verdade’ (religiosa ou secular) é sacrificar tudo o que tenho por uma quimera”. [Grifos nossos]
Portanto, dentro desse terreno extremamente incerto, qual seria o governo ideal, segundo Michael Oakeshott, para que o indivíduo conseguisse se movimentar na sua inconstância, e que também fosse contra esse “paradigma da modernidade” que se tornou o “anti-indivíduo”?
4.
A resposta parece ser simples, mas não é. Ele chamaria essa tentativa de “associação civil” [civil association], como depois articularia no seu definitivo tratado de filosofia política, Sobre a conduta humana [On Human Conduct], lançado em 1975. De acordo com os seus preceitos – que, se quisermos ser coerentes, também devem ser postos em dúvida, é claro –, o ofício de governar é algo que deve ficar em “segundo plano” e, se for realizado, deve ser feito sempre tendo como meta o “prazer” desta função, jamais como algo imposto, sem uma meta determinada, seja para quem governa, muito menos para quem é governado. Roger Scruton mostra didaticamente, em Como Ser Um Conservador (2014), quais seriam as sutilezas desse tipo de comportamento que, aos nossos olhos contaminados pelo “racionalismo”, parece ser, no mínimo, insólito:
“No livro On Human Conduct [Sobre a conduta humana], Oakeshott fundamentou a sua teoria de ordem política no contraste entre a associação civil e a ‘associação empresarial’ [enterprise association]. Nesta, as pessoas se unem por um propósito, e essa parceria é baseada na necessidade de cooperar para alcançá-lo. Há vários tipos de associações empresariais: por exemplo, há um exército em que as ordens de cima, transmitidas para as fileiras de subordinados, apontam sempre para o fim único de derrotar o inimigo; há uma empresa na qual os objetivos podem oscilar de um dia para o outro, apesar da necessidade primordial do lucro no longo prazo; existem várias formas de aprendizado que treinam pessoas para as profissões e os ofícios.
Oakeshott acreditava que a associação civil fora cada vez mais substituída pela associação empresarial, sob pressão das elites políticas, gestores, partidos e ideólogos. Não foram somente os socialistas que contribuíram para essa substituição com metas de igualdade e justiça social. A tentativa liberal de adotar os contornos de uma ideia universal e abstrata de justiça e de direitos humanos; a busca supostamente conservadora pelo crescimento econômico com a origem da ordem social e da finalidade do governo – ambas têm uma tendência a substituir a associação civil por um novo tipo de prática política em que as instituições da sociedade estejam propensas a cumprir um objetivo que possa ser incompatível com a dinâmica interna.
A distinção entre associação civil e empresarial não é rígida: muitas de nossas esferas sociais compartilham ambos os arranjos. Entretanto, é difícil negar que a associação empresarial se inclina para uma direção diversa das formas ordinárias de comunidade. Nela, há instruções que vêm do alto; existem rivalidades e rebeliões; há um fracasso desastroso, bem como um sucesso temporário. O todo depende de uma energia que siga adiante e que deve ser constantemente preservada se as coisas não estiverem se fragmentando e se destruindo. Por isso as invocações de ‘progresso’, de ‘crescimento’, de um ‘avanço’ constante em direção ao objetivo que, no entanto, devem permanecer sempre em algum lugar do futuro, a fim de que não cesse a dedicação dos cidadãos em se reanimarem por tal afinidade.
[...]
A consequência política mais importante dessa substituição da associação civil pela empresarial foi a perda gradual da autoridade e da tomada de decisões pela base da sociedade e a sua transferência para o topo. Se oferecermos à sociedade um propósito dinâmico, principalmente algum que seja concebido nesses termos lineares, como se estivesse se movendo sempre adiante, em direção a uma maior igualdade, maior justiça, maior prosperidade, ou, no caso da União Europeia, ‘uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus’, ao mesmo tempo, permitimos que surjam pretensos líderes. Atribuímos credenciais para os que prometem guiar a sociedade ao longo do caminho que designaram, e conferimos-lhes a autoridade para recrutar, dar ordens, organizar e punir os que restam entre nós, sem levar em consideração, por outro lado, de que maneira desejamos conduzir as nossas vidas. Particularmente, autorizamos a invasão daquelas instituições e associações que foram o núcleo da sociedade civil com a finalidade de impor-lhes um direcionamento e uma finalidade que podem não ter nenhuma relação com sua natureza intrínseca.”
A explicação de Scruton sobre o que são as diferenças entre a associação civil e a empresarial mostra um dado incômodo na concepção política de Oakeshott a respeito de qual seria o governo adequado para alimentar a tal da “disposição conservadora”. Trata-se do resto de “imaginação liberal” (para usarmos o termo de Lionel Trilling) que, como bem demonstrou John Gray no ensaio “Oakeshott como liberal”, ainda perdura (e luta) com a “disposição conservadora” dentro da sua obra – e que talvez explique a suspeita por qualquer forma de poder, em especial o religioso. Este tipo de imaginação é o que o faz ser simpático a aceitar, por exemplo, o paradoxo de “ser conservador na hora de governar e radical em todo o resto” (inclusive, é de se supor, na moral e até mesmo na religião), tendo a aprender sobre isto muito mais por meio da “predisposição de Montaigne, Pascal, Hobbes e Hume do que da de Burke e Bentham” - isto é, autores voltados para o ceticismo epistemológico (com a exceção de Pascal, é claro) e não pensadores que teriam um lado identificado com o conservadorismo político.
Ao contrário do que se imagina, este fundo “liberal” em Oakeshott parece ser coerente com a sua “disposição conservadora”. Afinal, podemos ver sua própria obra como a tentativa de ser uma “associação civil” em termos intelectuais, que existe em função do “prazer” desinteressado e não pela “meta dirigida”. Este prazer seria, portanto, um dos motivos dele sintetizar, na visão de Gray, “uma variedade de compreensões aparentemente disparatadas – aristotélicas e ciceronianas, romanas e normandas, lockeanas e hegelianas – para dar conta dessa forma de associação humana – que aparece distintamente apenas na Europa medieval tardia e, nunca sem oposição, em qualquer dos Estados europeus modernos – na qual as pessoas vivem juntas, não sob a égide de qualquer fim ou hierarquia de fins comuns, mas, em vez disso, por efeito de sua subscrição a um corpo de regras não instrumentais por meio das quais elas podem (em sua variedade e objetivos conflitantes) coexistir em paz”.
Contudo, por outro lado, a própria existência desta síntese significa que, infelizmente para a coerência do projeto filosófico de Michael Oakeshott, tão preocupado com a tensão entre o abstrato e o concreto, é muito provável que exista algo de utópico em suas reflexões sobre qual seria o melhor governo para a vida política europeia, como bem demonstrou John Gray:
“Como o Estado mínimo do liberalismo clássico, a associação civil é um tipo ideal, ou um caso extremo, não encontrável no mundo real da história humana. No plano dos fatos históricos, todos os Estados europeus modernos tiveram elementos – gerenciais, mercantilistas ou corporativistas – em virtude dos quais adquiririam o caráter de associações empresariais; e seu papel como custodiantes da associação civil viu-se consequentemente prejudicado. Na realidade, pode-se dizer dos países totalitários do século XX que nada mais são que associações empresariais, empenhados por essa razão na destruição da associação civil. E uma das heranças da ideologia liberal, a ideia de progresso na história, tornou difícil para qualquer Estado moderno não reivindicar para si o papel de agente da melhoria do mundo. Na verdade, a própria associação civil tem sido defendida como um meio para a prosperidade – o que traduz um completo desentendimento do que ela é, nos termos de Oakeshott. Poderíamos dizer, de fato, que apesar de nunca ter sido totalmente silenciada, a voz da associação civil em nosso século nunca foi muito alta: foi, na maior parte do tempo, calada por todas essas ideologias e movimentos que perceberam a autoridade do Estado apenas no sucesso deste em explorar os recursos da terra. É essa concepção baconiana da missão do governo que, no modo de ver de Oakeshott, permeia todas as concepções contemporâneas do Estado-como-associação-empresarial, sejam elas de inspiração fascista ou Fabiana, marxista ou manchesteriana”. [Grifos nossos]
Assim, impõe-se a seguinte pergunta: Será que, com toda essa impossibilidade de aplicar a associação civil no nosso mundo extremamente prático, o termo “racionalismo”, disseminado por Oakeshott, descreve com exatidão o cenário da política europeia moderna? A questão é válida porque deveríamos saber até que ponto esperamos por uma ação que deva interferir ou não na realidade objetiva das coisas – e qual seria a orientação correta para que isso aconteça sem prejudicar os nossos semelhantes. Entretanto, em um universo dominado pelo “racionalismo”, onde encontrar essa orientação, se ela não estiver igualmente corrompida por esse tipo de atitude? Sem dúvida, trata-se de um verdadeiro beco sem saída – e que me parece que Michael Oakeshott também não conseguiu sair dele, assim como a maioria dos seus companheiros de filosofia no século XX.
Mas não foi por falta de tentativa. Por mais que o filósofo inglês quase consiga atingir o alvo dos seus (e dos nossos) problemas, o uso do conceito “racionalismo” soa insuficiente – e o próprio Oakeshott intuía isso, quando logo no início do seu clássico ensaio, descreveu este tipo de comportamento como a de uma “disposição mental” de “contornos gnósticos”. Para alguém que tinha uma consciência afiada do sentido das palavras, é uma pena que tenha caído nesta hesitação conceitual.
5.
E por que teria ocorrido isso? Ele era um dos raros filósofos que tinha pleno conhecimento do que acontecera realmente na história política da Inglaterra e do continente europeu. Era um dos raros escritores da língua inglesa que podia descrever a atitude mais brutal com a mais elegante das ironias, sem cair para o sarcasmo desnecessário. Não se tratava de um problema de ignorância, muito menos de incapacidade cognitiva, em especial para um filósofo que colocava tudo na perspectiva de uma “saudável suspeita”, assim como fez o seu tão adorado Montaigne.
Aqui, devemos observar que talvez o melhor termo para descrever a dominação do “racionalismo” no mundo político dos últimos seiscentos anos tenha sido aquele definido com mais precisão pelo filósofo alemão Eric Voegelin: “política gnóstica” [gnostic politics]. Trata-se de um conceito muito mais profundo do que a mera “perversão da faculdade de pensar”, pois quem conhece onde se localiza e quais são os malefícios do Gnosticismo, sabe que, no fundo, ele é a verdadeira raiz de todas as variações do “racionalismo” demonstrado por Oakeshott.
De acordo com Voegelin, as três características de um movimento de “política gnóstica” são as seguintes: (1) Sufocado pela incerteza que existe na tensão implacável entre a ordem divina e a ordem secular, o homem se revolta contra a criação de Deus na Terra, estipulando a existência de um Demiurgo que, na verdade, foi quem criou o mundo e depois o abandonou, deixando o trabalho incompleto. Cabe ao ser humano, então, aperfeiçoá-lo para sempre, transformando-se assim no seu próprio deus com sua própria moral e seus próprios limites; (2) Como Deus não apareceu depois da revelação final prevista no Apocalipse da Bíblia, cumpre o homem, sendo agora o seu próprio deus, a dar término na revolução que estava prevista pela dominação do “anti-indivíduo”, mas que não foi realizada. E o único meio possível para que aconteça esta revolução é por meio da política; (3) Estando além do Bem e do Mal (porque, afinal de contas, é o seu próprio deus), o homem pode, com a revolução, criar a sociedade que sempre imaginou, acabando com todos os males que o afligem, exclusivamente com o conhecimento sobre o que seria a sua verdade (daí o termo “Gnose”), sem ter a necessidade de um suporte divino (pois tudo indica que Deus abandonou o mundo). Ele não se preocupa mais em compreender o mundo onde vive, somente em transformá-lo, com a ajuda exclusiva da ação política.
Oakeshott conhecia o trabalho de Voegelin. Em uma resenha que ele escreveu em 1953 sobre A Nova Ciência da Política (1952), o inglês não economizou elogios ao trabalho do filósofo de Colônia, mas é interessante observar que ele jamais se aprofundou na análise voegeliniana a respeito da influência do Gnosticismo nas ideologias totalitárias modernas. Trata o fenômeno como algo que poderia ser combatido com o ressurgimento de uma política “neo-Agostiniana”, que também teria características gnósticas – e nada mais. O resto aqui é, de fato, silêncio. Nada mais é dito sobre o fato de que o Gnosticismo pode ter também um lado liberal, tanto quanto um comunista ou um progressista (na verdade, há uma menção, mas igualmente brevíssima e meramente explanatória). Nada mais é dito sobre a evidência gritante que, como bem descreveu Voegelin em seu artigo “Gnostic Politics” (1952), “os políticos gnósticos querem alterar a natureza” porque “pretendem realizar o impossível a qualquer custo, tendo a ação política como meta absoluta”, sendo que, na sua essência, este tipo de ação “deve ser interpretada como uma doença espiritual, com o termo nosos, no sentido dado por Platão e Schelling: uma perturbação na vida do espírito que é completamente diferente de uma doença mental, se esta fosse observada usando a psicoterapia”.
Podemos ir além: a insistência de Michael Oakeshott de classificar a política europeia moderna de “racionalista” indica, sobretudo, a sua própria (e, no seu caso, voluntária) limitação epistemológica na análise de um problema muito maior e muito mais perigoso. Contudo, ele não está sozinho nesta enrascada. Em sua companhia, podemos citar também o Roger Scruton de livros filosóficos como Desejo Sexual (1988), Beleza (2012) e o mais recente A Alma do Mundo (2014); o John Gray de Missa Negra (2008), Em Busca da Imortalidade (2013) e A Alma da Marionete (2014); passando pelo neo-conservadorismo de um Irving Kristol e de uma Gertrude Himmelfarb; a obsessão de um Roger Kimball e de um Hilton Kramer pela dominação da “guerra cultural”; o nacionalismo populista americano de um Steve Bannon na hora de aconselhar Donald Trump; a visão de mundo “perenialista” que une o jihadismo cifrado de René Guénon, o fascismo metido a aristocrático de Julius Evola e o eurasianismo em homenagem a Vladimir Putin promulgado por Alexandre Dugin; o jesuitismo pós-moderno, somado ao amor pela vitimização, que invadiu a Igreja Católica; a “escola austríaca” de Ludwig Von Mises; até chegar ao ativismo radical de Saul Alinsky – que fez questão de dedicar o seu livro mais importante, Rules for Radicals (1971), a ninguém menos que “o primeiro revolucionário que foi contra o establishment – Lúcifer”.
Todos os citados acima têm pleno conhecimento de que há uma “política gnóstica” – no caso de Scruton e Gray, eles chegam a usar o termo “Gnosticismo” como uma forma de analisar as contradições do nosso mundo –, mas nenhum deles chega ao ponto de fazer como um Voegelin ou então igual a um Shusaku Endo, um Bruno Tolentino, um Otto Lara Resende, um Alberto da Cunha Melo e, claro, a um Bento XVI – de chamá-la pelo seu verdadeiro nome, que seria a de uma “política satânica, diabólica, da revolta”. Neste sentido, o “racionalismo” de Michael Oakeshott é apenas um elegante eufemismo que o faz cair no mesmo erro diagnosticado nos outros, mas que ele se recusou a ver em si mesmo. E de nada adianta querer distingui-lo de outros conservadores mais “ativos”, como seria o caso de Irving Kristol – que, por acaso, recusou a publicação de “Sobre Ser Conservador” na revista Encounter, alegando que o texto era brilhante, sem dúvida, mas que não tinha entendido nada a respeito da crítica à perspectiva religiosa feito pelo britânico, uma vez que, segundo Kristol, a religião seria essencial para recuperar os valores americanos que estavam então em desuso. O contraponto a isso seriam outros conservadores considerados mais “contemplativos”, o que é justamente o caso do próprio Oakeshott para muitos dos seus admiradores. Infelizmente, a disposição conservadora faz parte do mesmo ambiente da “política gnóstica” descrita por Voegelin – e, como o ativismo militante da esquerda, é também “uma perturbação do espírito”, com a diferença essencial de que os conservadores até então jamais conseguiram alcançar definitivamente o poder nas instituições políticas (o que, infelizmente, aconteceu nos últimos anos).
6.
O motivo desta lacuna na filosofia de Oakeshott – e que influenciaria, sem saber, todas as discussões futuras em torno do que seria uma “disposição conservadora”, em especial no Brasil – é porque ele simplesmente hesitou no momento de encarar a questão da experiência religiosa. Para ele, a política era o terreno onde não podia existir qualquer “perspectiva metafísica” ou de qualquer possibilidade da existência de uma ordem diante de uma atividade que navegava somente no meio de ruínas e destroços. Sua razão era extremamente prática, como ele explicaria depois em um longo trecho de “Sobre Ser Conservador”:
“Analisando de perto, veremos que algumas pessoas ficam irritadas com a ausência de ordem e coerência, que lhes parecem ser os aspectos dominantes dessa condição [da natureza humana]; sua tendência ao desperdício, à frustração, à dissipação da energia humana, à sua falta não meramente de destino premeditado, mas sim de ao menos um sentido de direção. Ela oferece um suspense nos moldes que uma corrida de stock car transmite; mas não garante nada da satisfação de uma empreitada com as próprias forças. Essas pessoas tendem a exagerar a desordem atual; a ausência de plano é tão patente que os pequenos ajustes, ou mesmo os arranjos maiores, que visam restringir o caos, lhes parecem irrisórios; não se sentem aconchegadas no calor da entropia reinante, só divisam o mormaço que emana de seus inconvenientes. Porém, o que salta aos olhos não é a limitação de seus poderes de observação, mas seu ângulo de observação. Pensam que deva existir algo que possa converter esse caos em ordem, uma vez que esta não seria a melhor forma de homens racionais viverem a vida. Como Apolo quando viu o cabelo de Dafne caindo levemente em volta de seu pescoço, elas respiram e dizem a si mesmas: ‘e se isso fosse arrumado apropriadamente?’. Além do mais, elas nos informam de que viram em um sonho uma maneira mais gloriosa, menos conflituosa de toda a humanidade viver, e tomam esse sonho como o mandato para ir além de remover as diversidades e seus consequentes conflitos que nossa situação atual nos proporciona. É claro que seus sonhos não são todos iguais; mas eles têm isto em comum: cada um é uma visão de condição de circunstância humana na qual a chance de existir conflito foi apagada, uma visão de atividade humana coordenada e lançada em uma direção única e onde cada recurso é explorado ao máximo. E tais pessoas convenientemente entendem o ofício de governar como a imposição de suas vontades sobre seus súditos da condição de circunstância humana de seus sonhos. Governar é transformar um sonho pessoal em uma maneira compulsória de viver. Destarte, a política se torna uma reunião de sonhos e a atividade de governar passa a constituir na busca por instrumentos que os traduzam em realidade”.
O “desencanto religioso” de Michael Oakeshott era, na verdade, a afirmação de uma existência que não tinha outra perspectiva da sua própria condição como algo que só teria sentido se fosse percebida no meio do caos e da desordem. A recusa deliberada ao não querer perceber que o “racionalismo” que ele combatia era algo muito mais perturbador, no fundo se revela como um fascínio pela incerteza da estrutura da realidade e, ao mesmo tempo, como uma lição de humildade de aceitar o mundo na sua confusão e que, no fim, foi o resultado de uma deliberada prudência – e é isso que o salvou, no limite, do Gnosticismo que teria colocado a sua filosofia no fosso da revolta.
Não à toa que Oakeshott adorava usar de metáforas náuticas para persuadir o seu leitor de que a arte da política era uma prática extremamente instável, na qual ninguém sabia o que acontecia porque, afinal, o próprio mundo onde vivemos não passa de um mar em constante tormenta, como podemos ver neste trecho memorável de um ensaio ainda mais memorável, intitulado “Educação Política” (Political Education, de 1951):
“Na atividade política, os homens navegam em um mar sem limites e sem fundo; não há porto, nem abrigo, nem solo para ancorar, nem um lugar de partida, nem um destino definido. O empreendimento consiste em manter o navio em prumo e equilibrado; o mar às vezes é amigo, às vezes é inimigo; e a arte da navegação consiste em usar os recursos de uma maneira tradicional de comportamento para transformar toda ocasião hostil em uma ocasião favorável”.
No meio deste simbolismo marítimo, Oakeshott acreditava, conforme escreveu em A Política da Fé e a Política do Ceticismo, que o modelo de político deveria ser o do “trimmer”, descrito pelo Marquês de Halifax em um clássico opúsculo publicado em 1660, chamado justamente de The Character of a Trimmer. A palavra “trimmer” é intraduzível na língua portuguesa, mas significa o posto daquele que, durante a sua navegação, joga com o peso da embarcação, conforme as circunstâncias do mar e da atmosfera, para mantê-la em equilíbrio constante. Ao transpor essa atitude para a política moderna europeia, Oakeshott afirma que, ao impedir os extremos de todos os lados do “racionalismo”, o estadista que imita o “trimmer” deve se ater somente ao movimento interno, evitando que a razão deturpada ou o progresso entusiasmado e provisório tomem conta do resto do navio. Não se trata de uma doutrina política stricto sensu, mas sim de uma doutrina da moderação, que deve encontrar a justa medida aristotélica em um ambiente onde qualquer movimento impensado colocará tudo a perder. Mas é possível ir além: a moderação aqui deveria ser também vista como a essência do que é a humildade, parafraseando o que W.B. Yeats disse sobre o que seria o dever do poeta (ou, no caso de Oakeshott, do filósofo) – ficar em silêncio a respeito do dever dos estadistas, já que ele tinha muito a fazer ao explicar esse mundo complicado para as jovens indolentes e aos anciãos que tentam se aquecer nas noites de inverno.
7.
Quando o inverno da sua vida finalmente chegou, Michael Oakeshott continuou inquieto sobre o que acontecia ao seu redor – especialmente a respeito de um assunto que o fascinava desde jovem: a religião. Aposentado das suas funções de ensino, foi viver em uma cabana em Dorset com sua esposa, Christel, até a sua morte em 1990. Paul Franco conta, em Michael Oakeshott – An Introduction (2002), que uma troca de cartas do filósofo inglês com o amigo Patrick Riley indicou que ele estava prestes a embarcar nas preocupações teológicas que deliberadamente evitou em suas análises políticas:
“Durante os últimos anos que passei a viver aqui [em Dorset], despendi muito tempo relendo todos os livros que já tinha lido há 50 ou 60 anos, voltando assim à ‘teologia’ – ou melhor, a uma reflexão sobre a religião. E o que eu gostaria de fazer, mais do que qualquer coisa, era expandir aquelas breves páginas em Sobre a Conduta Humana em um ensaio (você sabe como eu admiro e valorizo essa forma literária) sobre a religião, particularmente sobre o Cristianismo. Esta ambição me veio, parcialmente, ao reler tudo o que Sto. Agostinho escreveu – tanto Sto. Agostinho como Montaigne, os homens mais espetaculares que já viveram. O que eu gostaria de escrever era uma nova versão de Cur Deus Homo, de Anselmo, na qual (entre outras coisas) a “salvação”, estar “salvo”, é reconhecidamente não ter nada a ver com o futuro. Sei que jamais poderei fazer isso agora; deixei isso para ser feito tarde demais”.
No fim, o fascínio pela incerteza como a única regra na nossa humana, demasiada humana condição foi o eixo principal da filosofia idiossincrática de Michael Oakeshott. Em um mundo dominado pela revolta por todos os lados, da esquerda e da direita, este tipo de humildade, mesmo à beira do abismo de si mesmo, é uma lição que não deve ser esquecida em qualquer circunstância.
Quanto a mim, minha reflexão sobre o problema político me leva e me mantém apoiado (não se deve ser "seguidor", em nada relativo ao pensamento, penso) em três autores que considero os que dão as bases sólidas para se pensar essa difícil e importante questão: Espinosa, Leo Strauss e Jung.
O primeiro porque debruça-se sobre o tema do ponto de vista do Ethos, ou seja, de como se comportar: a política como modo de viver (lato senso). Não a toa, o título de sua obra central é "Ética". E nas outras duas obras maiores, o Tratado Teológico-Político (em que ele reflete sobre o modo de relação bem prática, bem real, do conluio e da relação possível entre a religião e a política), e o Tratado Político (incompleto e que, curiosamente se interrompe na parte sobre a república, após falar sobre os outros 2 modos da epoca: Teocracia e Monarquia).
O segundo autor, Leo Strauss, porque faz uma crítica demoludora ao relativismo na reflexão política pós-maquiavel, e retorna, via autores judeus e islâmicos sublimes (Maimonides, Alfarabi, em destaque) ao pensamento clássico e renova brilhantemente a reflexão sobre Platão em especial e a filosofia clássica grega, nesse tema: a política (de outra maneira diferente da de Espinosa, sobre aliás quem também escreveu, mas também na perspectiva do modo de vida coletivo) E também porque coloca em questão o dilema "razão ou revelação?" ("Atenas ou Jerusalém" na enunciação que ele concebeu)
E finalmente Jung, por sua psicologia de genial vanguarda.
Que belo ensaio, meu caro doutor Martim!!!! Que belo ensaio