Bebê Reborn exercendo o direito de cidadão
Quando eu estava na entrada da adolescência, descobri Os Mutantes e, por consequência, a “Balada do Louco”. Conhece?
“Dizem que sou louco
Por pensar assim
Se eu sou muito louco
Por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz”
E lá na frente, a letra faz a seguinte colocação:
“Se eu posso pensar que Deus sou eu”
Era na mesma época em que eu comecei a fazer teatro, aos 13 anos. Portanto, um momento em que ideias inovadoras inundavam a minha cabeça a ponto de mudar minha forma de pensar pra sempre.
Enquanto a maioria dos moleques estava pensando em sexo, eu estava pensando em chegar no horário do ensaio. Comecei a me sentir superior por saber que eu enxergava a vida com um pouco mais de poesia do que eles.
Com o tempo, percebi que a minha certeza de que o artista sabe ver e sentir as coisas diferente dos outros era, ela mesma, uma ilusão bem temperada de vaidade. A verdade é que ninguém sabe direito.
Mas uma coisa não era ilusão: aquilo que ficou claro pra mim desde cedo, parece que a maioria está desaprendendo a enxergar: a diferença entre a loucura criativa e a loucura destrutiva.
Assim como dizer 'pensar que Deus sou eu' na música era só metáfora, assumir-se 'louco' também não significava insensatez literal.
Estamos trocando a loucura de dançar pelado na chuva (com poesia) pelo ato de meter o louco em defender que vacina tem chip da CIA.
Ter alguma loucura no pensamento é justamente a possibilidade de qualquer um ser artista, de inovar, de ser imprevisível, de ser criativo e, por fim, ser feliz. De verdade.
Mas tem gente insistindo em confundir criatividade com insanidade. Fazer selfie no funeral do Papa, acreditar que a Terra é plana ou adotar um bebê reborn tratando como se ele tivesse CPF, nada disso é natural e nem faz sentido.
Hoje, qualquer comportamento irracional vem com um escudo automático: “eu sou autêntico” ou “estou sendo feliz”. Será autenticidade e felicidade mesmo ou só estamos recheando nossa solidão com qualquer coisa?
A gente virou um bando de slogans ambulantes. Nós saímos falando “Gratiluz” até pro assaltante que vem pescar teu celular em cima duma bicicleta.
Em vez de lidar de frente com a crítica, a gente dá Ctrl+C Ctrl+V mental numa frase de efeito e segue em frente sem perceber que o influencer das bets está nos levando rumo ao abismo.
E hoje, depois de 30 anos que conheci a “Balada do Louco”, a parte em que diz:
“Eu juro que é melhor
Não ser um normal”
Poderia ser substituída por:
“Eu juro que é melhor
Ser muito normal.”
Atualmente, ser normal está mais perto da loucura onírica da letra do Arnaldo Baptista e da Rita Lee do que da loucura literal e vazia dos dias de hoje.
Pode ver, qualquer um que ousa ser sensato ou equilibrado é taxado como isentão, bunda mole ou algo assim.
Ser louco já foi ato de rebeldia. Hoje, ser equilibrado é tão subversivo que vão acabar dizendo que você enlouqueceu.
Dedico este texto ao Marcelo Pantoja.
Eu me sinto um estranho no ninho, no trabalho sou rodeados por radicais bolso petistas, que me deixa assustado.
E nesse balaio o maluco sou eu.
Trabalhar para pagar impostos é normal ou loucura?