#MeusMortos
Eu, Diogo, perambulo por Veneza, seguindo o rastro de Tiziano, acompanhado por meu cachorro e fotografado por meu filho Nico
Como uma Testemunha de Jeová, bato à sua porta para promover um livro. Não aquele livro – outro. Que nem é um livro de verdade: é um simulacro de fotonovela. Não feche a porta, por favor. Só mais um minutinho.
O livro é intitulado “Meus Mortos”, e é exatamente sobre isso – sobre meus mortos. Não apenas os meus – os seus também. Porque meu fim, por um acaso, tem esse caráter exemplar: coincide com o fim do nosso tempo.
“Meus Mortos” é o prosseguimento ideal do meu livro anterior, “A Queda”, com aquela mesma mistura de ensaio, memória e – me perdoe – narrativa experimental. Um é sobre o filho natimorto que ressuscita, o outro é sobre os vivos que desaparecem para sempre, sem a menor chance de ressuscitar.
Já cacarejei um bocado e ainda não mencionei o principal: o protagonista desse autorretrato não sou eu, e sim Ticiano, o pintor. Juntamente com seu maior discípulo, Rubens. Mais do que sobre meus mortos (perdi pai, mãe e irmão em apenas oito meses), o livro é sobre a morte de ambos. Sobre como eles escolheram morrer. E sobre como Ticiano, meio século depois de sua morte, foi ressuscitado pelo amor supremo que Rubens devotava à sua pintura. “Meus Mortos”, de fato, é sobre essa arrebatadora história de amor artístico, que serve de pano de fundo para dezenas de histórias de amor: o amor por um filho, por uma mulher, por uma mãe, por uma cidade, por uma pincelada, por um defunto, por um cachorro. Sim, o livro é sobre Ticiano, Rubens, Van Dyck, Rembrandt e Velázquez, mas é também sobre Palmiro.
Antes de me despedir – e obrigado por me escutar –, reproduzo a orelha do livro, que fiz em primeira pessoa e ofereci à editora:
Diogo Mainardi perambula por Veneza, seguindo o rastro de Tiziano, acompanhado por seu cachorro e fotografado por seu filho Nico.
De peste em peste, de morte em morte, ele reflete pateticamente sobre seu fracasso individual e ― mais ainda ― sobre o fracasso coletivo de seu tempo. Incapaz de qualquer forma de transcendência, apropria-se da arte desesperada e sublime do maior pintor da História, que retratou melhor do que ninguém nossos fracassos individuais e coletivos ― assim como o sexo, o poder, a bestialidade humana, a brutalidade dos deuses e o fim dos tempos.
Durante esses itinerários venezianos, a linguagem do grande pintor esmaga a do pequeno escritor. As imagens asfixiam as palavras. Mas não se trata apenas de uma supremacia estética. A pincelada de Tiziano confere uma forma e uma cor ― e, em certos momentos, até mesmo um arremedo de sentido ― à pequeneza do escritor.
Em seu testamento literário, Diogo Mainardi despe-se completamente e, com as nádegas de fora, ostenta sua derrota.
O livro está à venda (ou pré-venda) na internet. É caro porque tem mil e quinhentas imagens, muitas das quais coloridas. A versão impressa, minha preferida, tem a virtude de remeter a um dos temas do livro: o fim da era gutenberguiana, que durou cinco séculos, do tempo de Ticiano ao nosso. Mas a versão em PDF, além de custar menos, permite tocar os quadros com os dedos (outro tema do livro), escarafunchando cada um de seus detalhes.
MEUS MORTOS: UM AUTORRETRATO
Diogo Mainardi
Editora Record, 2025
288 páginas.
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Ja encomendei! #livrariatrabalharcansa
Caro Diogo, não há derrota nenhuma! Sua franqueza desconcertante é das poucas vozes em que dá pra acreditar nessa mixórdia que virou o mundo contemporâneo. Rubens é meu pintor preferido, o livro A Queda é um espetáculo de amor paternal e qualquer pai decente gostaria de tê-lo escrito, a Veneza fui muitas e muitas vezes com minha amada e gostaria de morar lá e, sobre Palmiro, pode acreditar que é o melhor amigo que você conseguirá. Só espero que o novo livro Meus Mortos, que encomendei na versão digital, não me obrigue a comprar uma navalha e cortar os pulsos, durante ou após a leitura. Ah, e parabéns pela ressuscitação e retorno. Seu amor por Palmiro me fez lembrar do Paulo Francis e seu gato.