Estamos todos pisando em ovos
Nos últimos acontecimentos do Brasil, se analisarmos direitinho, dá pra perceber que tá todo mundo sempre meio errado.
Ontem, num pleno sextou, vislumbramos uma nova modalidade de crime: o desacato por interpretação da língua portuguesa.
Aldo Rebelo, amplamente reconhecido por sua capacidade eventual em semiótica, ousou dizer que “colocar tropas à disposição” poderia ser uma figura de linguagem.1
Ele fez isso porque, afinal de contas, estamos na era da invenção de narrativas e da relativização das já existentes. Popularmente conhecido como “passar pano”.
O juiz pediu que ele se ativesse aos fatos. Rebelo, então, entendeu como quis e achou razoável peitar um Ministro do STF dizendo que não admitiria censura.
Alexandre de Moraes interpretou a resposta como um crime capital no Tribunal da Literalidade, prontamente interrompeu:
“Se o senhor não se comportar, será preso por desacato.”
Um absurdo! Onde já se viu uma testemunha pensar, quanto mais falar o que pensa durante um depoimento?
Por um suposto lado, Aldo supostamente Rebelo supostamente não estava na suposta reunião onde supostamente se planejava o suposto golpe. Mesmo assim, supostamente cometeu o grave delito de supostamente querer refletir sobre.
Por outro lado, temos Alexandre de Moraes, que virou uma espécie de síndico da democracia: se ele decidiu que isso pode ser desacato, desacato será.
Eu fui estudar um pouco e cheguei ao Código Penal, art. 331:
“Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa."
E ao Código de Processo Penal, art. 203:
"A testemunha fará declaração do que souber e lhe for perguntado, devendo responder às perguntas que lhe forem formuladas."
Convenhamos: chamar de “desacato” uma tentativa de contextualização é como chamar de “golpe” uma reunião onde ninguém levou nem PowerPoint. Pelo menos não apareceu nada até agora.
O simples fato de você não ser o Alexandre de Moraes hoje em dia é quase subversão. Ironicamente, diante da insinuação de que estaria censurando, foi lá e censurou intimidou.
É claro que o objetivo de Alexandre de Moraes é manter a ordem na audiência depois de uma provocação. Afinal, os nervos estão à flor da pele dentro e fora daquela sala.
Mas também foi claro que o Ministro exerceu uma pressão explícita sobre Aldo Rebelo que, afinal, era uma testemunha, não um réu.
O risco dessa advertência é silenciar ou constranger a testemunha, sobretudo por não haver “menosprezo à função pública ou ataque à dignidade do agente”, definição jurídica no Código Penal.
O resumo que fica pra mim desse depoimento é: A democracia continua aí. Mas, sinceramente? Tá andando sobre ovos. E com coturno.
Se eu fosse Aldo Rebelo tinha falado para Alexandre Torquemada Moraes me prender. Antes, porém teria o mandado ir pastar. O Torquemada do STF acha que pode deitar e rolar. Xandão Torquemada, eu não tenho medo de você, imbecil.
Eu não sei se mim divirto lendo esse texto, ou fico preocupado.
Porque a coisa está ficando tensa, mas o texto está maravilhoso.