[Leia a primeira parte do ensaio]
Gibis ao vivo
A referência quadrinística mais perceptível de Red Room é formada pelos quadrinistas do estilo que Ed Piskor chama de “Outlaw Comics”, gibis bandidos. É um termo que Piskor e Jim Rugg recuperaram da crítica dos anos 90, quando teve pouco uso. Piskor, em entrevista ao Comics Beat, definiu os gibis bandidos dessa forma:
“Anos atrás, eu postei uma coisa online que mostrava alguns dos meus quadrinistas favoritos, tipo Faust, o Corvo, parte do trabalho de Ken Landgraf, os primeiros trabalhos de Troy Nixey, Joe Vigil, Vince Locke, e eu disse algo do tipo: ‘Tudo isso faz parte da mesma família, mas que nome podemos dar para ela?’. Alguém nos lembrou que o termo ‘outlaw comics’ era usado para enquadrá-los na época (de um jeito muito fraco). A expressão nunca pegou, mas me parece o nome perfeito. Esses caras não encaixam em outro lugar. O mainstream não vai conseguir usá-los porque eles não são limpos e não tem cara corporativa. Os acadêmicos e as pessoas metidas com arte desprezam esse material de cara. São gibis para ‘jovens adultos’ da mesma forma que a comida para bebês. Eu amava essas coisas quando era jovem e queria tentar colocar a mão nisso. Os gibis alcançaram um grau de respeito que foi procurado por décadas, e o meio não tem tantas coisas que fazem por merecer. É hora de colocar um pouco de vulgaridade de volta nas bancas. Lembrar às pessoas o que nos interessou nos quadrinhos em primeiro lugar”.
O intuito ultrajante de Red Room é facilmente perceptível no seu conteúdo. É, basicamente, uma hq de pessoas sendo evisceradas de forma explícita e criativa. Dois são os quadrinistas nos quais Piskor parece ter se inspirado para formar a parte do explícita e criativa: David Lapham e Todd McFarlane.
Lapham é um quadrinista americano que fez bastante sucesso no início dos anos 90 com uma série independente, Balas Perdidas (Stray Bullets, no original). A série, publicada a conta contas entre 1995 e 2005 (40 edições), lhe garantiu dois prêmios Eisner e um prêmio Inkpot (1996, 1997 e 2005). Entre uma edição e outra, Lapham trabalhou para editoras comerciais, criando histórias de personagens populares e seus derivados (Batman, The Darkness, Demolidor), enquanto desenvolvia uma reputação de quadrinista inconfiável. A melhor história de The Matrix Comics, histórias curtas ambientadas no universo de Matrix, originalmente lançadas no site do filme entre 1999 e 2003, é sua: There are no flowers in the real world.
Dele, Piskor aparentemente trouxe a estrutura externa original de Red Room. Pela Devir, editora da hq no Brasil, Red Room foi republicado em um volume único de 416 páginas, que incluem comentários do Piskor e um posfácio assinado por Jotapê Martins, conhecido editor de quadrinhos da antiga Abril Jovem. Esse volume único, por sua vez, funciona como uma coletânea de três volumes lançados nos EUA pela Fantagraphics em 2021, 2022 e 2024: The Antisocial Network, Trigger Warnings e Crypto Killaz!.
Cada um desses encadernados, por sua vez, reúne uma minissérie, originalmente publicada em quatro single issues, edições individuais. Cada edição individual das minisséries, por sua vez, corresponde a uma história isolada, desenhada majoritariamente em preto e branco, com início, meio e fim. As edições isoladas têm 32 (as duas primeiras minisséries) e 24 (a última) páginas. A grade de quadrinhos frequentemente é irregular. Mas, quando precisa recorrer a uma grade regular, Piskor usa a de duas colunas e quatro filas.