[Leia a segunda parte do ensaio]
Mundo ao vivo
Ed Piskor é um quadrinista autoral que desenvolve o seu estilo regurgitando quadrinhos comerciais ou independentes, mas frequentemente vulgares, mediante o sampling. Ele não faz isso para comentar a qualidade dos quadrinhos regurgitados; ele faz isso porque entende que esses quadrinhos, comerciais, independentes e frequentemente vulgares, são o instrumento pertinente para nos mostrar a realidade.
Isso nos leva à pergunta: o que Red Room nos mostra sobre a realidade?
Logo na introdução do gibi, Piskor descreve Red Room como uma forma de abordar os “medos e ansiedades sociais” contemporâneos à produção da hq. Nas palavras dele:
“A tese de King de 1981, Dança Macabra, foi uma grande influência na concepção de Red Room, por combinar de forma bem convincente exemplos multimídia de horror com os medos e ansiedades sociais, a partir dos quais tais trabalhos foram criados. Imediatamente, comecei a pensar em quais possibilidades legais de horror existem por aí que nunca foram exploradas de maneira satisfatória, em minha opinião. A dark net foi a primeira coisa que me veio à mente. A ideia de uma internet irrastreável - em que contrabandistas de drogas, negociadores de armas, traficantes de pessoas, pedófilos e assassinos de aluguel transitam com impunidade - é o assunto perfeito para os meus propósitos de ficção de horror”.
Em entrevista para o site The Comics Beat, Piskor parte de Dança Macabra para falar que o seu objetivo era explorar o zeitgeist, “algo novo no éter”:
“Estava lendo Dança Macabra, do Stephen King, em que ele fala das influências de terror multimídia que ele recebeu ao longo dos anos: novelas, gibis, tv, rádio, filme, etc. Uma coisa que ficou abundantemente clara sobre todas as suas inspirações: quando eles foram lançados, exploravam o zeitgeist. Alguma coisa nova estava no éter quando essas obras foram lançadas, da bomba atômica à conformidade suburbana. Me fez pensar algo no sentido de ‘quais são as possibilidades horríveis e legais que existem no mundo modero, que não poderia ser pensadas nos anos recentes?’. A dark web, a ideia de uma internet ingovernável, parecia cheia de grandes possibilidades assustadoras. Diabos, as pessoas fazem coisas ridículas na internet normalmente, sem preocupação. Imagine uma internet na qual ninguém enfrenta consequências dentro desse sistema”.
“Consequências dentro desse sistema”: ao contrário de Frank Miller (especialmente nos seus gibis de super-heróis) e Philip K. Dick, dois outros grandes poetas do lixo contemporâneo, Piskor não nos mostra, em um primeiro momento, a realidade em termos míticos ou metafísicos. O seu interesse imediato está mais próximo da sociologia e psicologia: relações sociais, especialmente do ponto de vista trabalhista, no mundo contemporâneo e os seus efeitos sobre a personalidade das pessoas.