Em 2011, durante o governo (?) de Dilma Rousseff, teve início a chamada desoneração da folha de pagamento, medida tributária que era parte de uma estratégia para estimular a economia brasileira em meio à crise da época, e que hoje, mais de uma década depois, tem sido objeto de intensos debates. A medida, em sua forma atual, permite que municípios com até 156 mil habitantes e 17 setores intensivos em mão de obra substituam a alíquota previdenciária de 20% sobre os salários por uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, incentivando a geração de empregos e estimulando o crescimento das empresas. No entanto, as tentativas de impulsionar a recuperação econômica têm gerado discussões em torno da manutenção dessa estratégia, colocando em risco os impactos socioeconômicos positivos da medida e criando uma situação clara de insegurança jurídica.
Nos capítulos mais recentes desta história – que, pela quantidade de reviravoltas já pode ser considerada uma novela – a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou, na última quarta-feira (24), com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender trechos da lei aprovada pelo Congresso, que prorrogava a desoneração da folha até 2027, e também contestar a decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que invalidou trecho da Medida Provisória (MP) 1.202/2023, que derrubou a desoneração previdenciária para pequenas e médias prefeituras.
No entendimento da AGU, a desoneração foi prorrogada até 2027 pelo Congresso Nacional sem estabelecer o impacto financeiro da renúncia fiscal. A petição foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo advogado-geral da União Jorge Messias. O ministro Cristiano Zanin, que foi escolhido para ser o relator da ação, acatou de forma monocrática na quinta-feira, dia 25, os argumentos da AGU. A atitude reacendeu a preocupação e a insatisfação entre os prefeitos (que contam com o corte na alíquota para ter mais dinheiro em caixa), entre os parlamentares (que viram na atitude do ministro Zanin uma interferência sobre uma decisão do Legislativo) e entre os representantes dos setores beneficiados, já que no próximo dia 2 de maio as empresas e prefeituras beneficiadas voltariam a pagar o DARF em cima dos 20% da folha de pagamento - e não dos 4,5% atuais.
“Entendo que a decisão Liminar do Ministro Zanin tem efeito imediato, mas deveria respeitar a anterioridade Constitucional, ou seja, começar a contar a noventena a partir de sua publicação. Portanto, a desoneração seria válida até 31/7, ou até que se apresentassem os cálculos da contrapartida solicitada na Liminar, se julgasse o Agravo do Senado, ou ainda Mérito. O que não pode é a insegurança jurídica que se está criando com a aplicação imediata do fim da Desoneração nos últimos dias do mês, pegando as empresas despreparadas. O risco de inadimplência, demissões e desestruturação do Mercado de trabalho será grande”, afirmou, em entrevista exclusiva ao NEIM, o empresário Jorge Sukarie, conselheiro da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) e CEO da Brasoftware. Para Rodolfo Fücher, presidente do Conselho da ABES, “não deveríamos ficar discutindo a desoneração ou reoneração para os 17 setores, mas sim uma redução drástica dos encargos trabalhistas que recaem sobre a folha para todos os setores da nossa economia, acabando com o inferno da insegurança jurídica, e não aumentando-o”.
Não se trata de uma preocupação infundada - ou de mera gritaria entre empresários. Segundo o Movimento Desonera Brasil, que representa os 17 setores da economia alcançados pela política de desoneração da folha, aqueles que permaneceram com a folha desonerada entre de 2019 e 2023 geraram quase 20% de empregos a mais, enquanto o número de vagas de trabalho dos demais setores cresceu apenas 14%. O levantamento do Desonera Brasil também destacou que os salários nestes 17 setores são, em média, 12,7% superiores aos das atividades que não são desoneradas e que, só neste ano, as empresas já criaram 151 mil novos empregos, o que gerou uma arrecadação adicional de quase R$ 20 bilhões com INSS, imposto de renda, FGTS, Cofins-importação e PIS/Cofins sobre o consumo. Em outras palavras, os benefícios da desoneração, para esses setores, superaram em muito os incentivos fiscais da contribuição previdenciária sobre a receita bruta das empresas.
Em entrevista coletiva na tarde de sexta-feira (26), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o Congresso foi surpreendido com a decisão do governo federal de acionar o Judiciário e que o erro foi não só técnico mas, também, político. Além de discordar da decisão de Zanin, Pacheco ainda classificou como “catastrófica” a petição da AGU - em seu argumento, o senador afirmou que só em 2024 o Congresso aprovou propostas que somam cerca de R$ 80 bilhões em aumento de arrecadação, um valor que pode servir para bancar, por exemplo, o custo anual de R$ 10 bilhões referentes à desoneração dos municípios. E, enquanto o Senado apresentava, na noite de sexta-feira (26), um recurso para retomar a validade da lei da desoneração da folha, mais um “plot-twist” da novela acontecia, desta vez no STF. Na análise pelo plenário da Corte, para onde o ministro Zanin levou a sua decisão para ser votada pelos demais magistrados, faltava apenas o voto de um ministro para formar a maioria necessária quando o ministro Luiz Fux pediu vista do processo. Ele pode levar até 90 dias para analisar o caso (ou devolver o processo antes do término desse prazo estabelecido).
Até o pedido de Fux, os ministros Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin haviam votado para confirmar a decisão individual de Zanin, deixando o placar em cinco votos a zero. Os magistrados que ainda não votaram - Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça - podem continuar votando até 6 de maio, quando acaba o julgamento no plenário virtual. E eles podem formar uma maioria pró-tese do governo.
Quem pensa que a história está longe de ter um fim, está enganado. Se confirmada a decisão de Zanin, ela tem efeito até que o Supremo julgue a ação definitivamente, no mérito da questão (não há prazo para isso ocorrer). E o presidente Lula, onde fica no meio deste enredo? Ele quer encontrar, até o dia 20 de maio (quando começará em Brasília a Marcha dos Prefeitos) um meio-termo para este impasse, e dar uma resposta aos chefes dos Executivos municipais que viajarão a Brasília para o evento anual da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Até lá, o governo vai tentar construir uma proposta voltada às prefeituras, que esteja em consonância entre a equipe econômica e a ala política do governo. Enquanto isso, o presidente tentará se reunir com o senador Rodrigo Pacheco nos próximos dias e aproveitará para discutir a questão da desoneração. O clima da conversa, certamente, não será dos melhores, já que aliados de Lula admitiram que Pacheco não foi comunicado pelo ministro Fernando Haddad de que a ação da AGU seria protocolada no último dia 25 (embora Haddad houvesse anunciado a intenção de entrar na Justiça, o presidente do Senado teria ficado contrariado por não ter sido avisado, com a ação sendo protocolada em paralelo à articulação da entrega de projetos para regulamentar a reforma tributária).
Não há dúvidas, para quem entende minimamente de economês e de Brasil, de que a desoneração da folha de pagamento é uma estratégia com potencial para impulsionar a criação de empregos e o crescimento das empresas e da economia - e, por isso mesmo, deve ser ponderada mediante um debate aberto e transparente. Enquanto os setores atualmente beneficiados “têm a confiança do ministro relator ou o tribunal revogar essa decisão monocrática, que deve ser restrita a situações extremas, afinal houve pleno respeito às regras orçamentárias constitucionais pelo Legislativo nos seus cuidados de trabalho de elaboração da lei”, e o governo (ao menos, aparentemente) segue batendo cabeça, ficam no ar duas certezas. A primeira, de que o fim da desoneração da folha pode colocar o Brasil de volta em um caminho de retrocesso, aumentando consideravelmente os índices de desemprego (que estão, atualmente, em 7,4%). E a segunda, a de que o Brasil não é, definitivamente, um país para principiantes.
E novamente o PSTF entra com o bonde andando e pega a janelinha! É incrível o poder do partido togado!
É o Supremo Tribunal Federal do Lula!!!!