#NãoÉClubeDoLivro: Não Querem Que A Novidade Volte
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O nosso Doge de Veneza entrou na moda de afirmar que o romance, este gênero literário que já incendiou a imaginação de milhares e milhões, acabou.
Mas será que acabou mesmo? Será que a culpa não é desses inimigos que pretendem destruí-lo porque o gênero não se encaixa mais em suas estreitas visões de mundo? Vejamos: dois autores de língua inglesa, o veterano Thomas Pynchon e o novato Jonathan Littell, lançaram seus respectivos livros, Against the Day e Les Bienveillants, lá na metade da década passada, com algum estardalhaço publicitário. Em primeiro lugar, porque são romances com mais de 900 páginas (Against the Day comete a heresia de ter 1086 páginas); em segundo lugar, porque mexem com um assunto desagradável, mas frequente no nosso dia-a-dia: a guerra.
Jonathan Littell, um americano que escreveu o seu primeiro romance em francês e, para cúmulo do povo que instituiu a guilhotina como solução dos problemas, ganhou o prêmio máximo da literatura local, o Goncourt, relata em Les Bienveillants (“As Benevolentes”, uma referência às divindades gregas que consumavam o destino de um pobre pecador) a vida de Maximilian Aue.
Quem é o fulano? Segundo a mente imaginativa de Littell, Aue foi um integrante da SS nazista que, entre seus hobbies, praticava o incesto, o homossexualismo e o sadomasoquismo (ah, sim, às vezes também planejava o extermínio de seres humanos); o livro é escrito em um francês claro, repleto de divertidos anglicismos, no qual o tom é de um “conto moral para os irmãos fraternos”, o que significa que talvez o leitor seja obrigado a mergulhar no mal humano como se fosse algo — e aqui surge a Hannah Arendt dentro de nós — “banal”.
Enfim, perguntará o leitor pego no meio de toda essa confusão, Les Bienveillants é bom? Não, ele é excelente: é possivelmente um dos poucos romances que eu colocaria lado a lado com Doutor Fausto, de Thomas Mann, a grande obra que mostra o pacto demoníaco que a Alemanha fez com o Nazismo. Mas aqui não se trata de uma tragédia; na verdade, Littell construiu o romance como uma farsa que, em alguns momentos, atinge a alucinação pura. Há um norte ético nessa decisão estética. Dizia Eric Voegelin, em Hitler e os alemães, que não se podia retratar o nazismo como uma tragédia, mas sim como uma farsa, pois o absurdo da situação era tamanho que ela não podia ser representada como algo “real”. Quando Littell chama o seu romance de “As Benevolentes”, sem dúvida quer nos despistar, jogar com nossas expectativas para depois quebrá-las em pedacinhos.
Assim, sugiro ao leitor que, se quiser ler o catatau de Jonathan Littell, prepare-se para trechos de alta voltagem sensorial e intelectual. Trata-se de um romance que retrata o nosso fascínio pelo Mal, não hesita em identificar o nazismo com as ideologias socialistas e afins (não poupa sequer a ideologia identitária), narrado com uma força de imaginação que faz inveja a qualquer aspirante a escritor.
Além disso, o livro também cria uma enigmática reflexão sobre o sutil poder do Bem, mesmo quando tudo parece ser dominado pelo Mal — daí o título, que possui, sem dúvida, uma ressonância irônica. Apesar de ter um olhar sem misericórdia no coração das nossas trevas, Jonathan Littell reconhece que a luz sempre vem para aqueles que também a recusam; e é a noção deste paradoxo que cria as obras de arte e os romances que podem, por alguns momentos, salvar toda uma literatura em decadência.
Já Pynchon, famoso recluso que não tira fotos, não dá entrevistas, mas não hesita em defender Ian McEwan de uma acusação idiota de plágio, faz, com Against the Day, a súmula de sua obra. Uma obra e tanto, diga-se de passagem: Pynchon é, possivelmente, o maior escritor vivo (talvez superado apenas pelo já falecido Cormac McCarthy), com livros surpreendentes como V., O leilão do lote 49, O Arco-Íris da Gravidade e Mason & Dixon, que retratam o vazio espiritual do Ocidente com um humor e uma tragédia somente vistas em um Thomas Mann ou um Robert Musil.
Against the Day (o título é uma expressão das epístolas de São Pedro sobre quem aguarda o dia do Julgamento Final) continua com a mesma obsessão: cria um panorama gigantesco que começa na Feira Mundial de Chicago em 1893 e termina às vésperas da Primeira Guerra Mundial. O alvo é claro a partir do momento em que percebemos que todos os personagens estão envolvidos com o mundo da ciência e do terrorismo clandestino. Pynchon não hesita em relacioná-los ao atacar a atmosfera intoxicante de progresso que dominava o final do século XIX e o início do século XX — e que tudo isso somente teve um fim: a destruição em massa do ser humano.
Cada um desses escritores passou, no mínimo, dez anos preparando cada livro. E o que faz a crítica? A mesma reação de agora: em menos de um mês, em algumas linhas, em poucos minutos, eles sugeriram que lê-los seria uma perda de tempo. Littell foi acusado de “banalizar” o mal nazista, torná-lo “sensacionalista”; Pynchon foi jogado para o lado e muitos afirmaram que ele não é mais “o romancista que a América precisa” pois seu estilo era “repugnante”. Ah, a crítica, este setor pobre da intelligentsia! O que fazer dela? Ainda não perceberam que a crítica apenas determina a moda, o costume do tempo, enquanto o artista determina o subterrâneo do tempo, que está realmente oculto e que, sem nenhum aviso, explode em nossos olhos como uma bomba?
Não, não perceberam. Durante anos reclamaram que o romance estava morto, acabado. Seu nome vinha dos termos novel (em inglês) e novella (em italiano e depois transformado para o espanhol) que significava exatamente isso: a novidade. O romance nunca foi um simples gênero literário; era, nas palavras de Milan Kundera, um novo modo de conhecimento da realidade, uma cortina que se abria para o ser humano e mostrava os seus sonhos, as suas hipocrisias, as suas esperanças e, sobretudo, as suas infâmias. Com o passar do tempo, disseram que a sua morte se devia ao fato de que ninguém tinha nada a dizer, que a história terminara com um suspiro e não com um estrondo e que, kaput, sobrariam apenas algumas ruínas e a literatura de péssimo gosto.
Mas eis que estes dois sujeitos, Thomas Pynchon e Jonathan Littell, mostram que a novidade sempre retorna. Pynchon é explícito nas suas intenções: logo abaixo do título de seu livro, ele insere um aviso — A novel. Uma novidade. Littell não é tão sutil, mas não menos astuto. Em entrevistas, ao ser questionado porque escreveu um livro gigantesco sobre um nazista, tema já comum em milhares de teses e estudos, foi direto ao ponto: Porque queria saber como alguém decide se tornar uma porcaria. Para responder isso, é necessário ter muita coragem — virtude fundamental para um artista dos nossos dias. E qual a razão disso? Simples: ninguém deseja ver que o início de todas as guerras, de todos os terrores, de todas as bombas que explodem sem aviso, está na covardia de enfrentar a guerra dentro de nós. Não é uma novidade, mas, muitas vezes, o artista deve informá-la aos outros do modo mais escandaloso possível.
Ora, a crítica apenas cumpre a sua função: espalhar o medo, enfraquecer a virtude, não deixar que a novidade retorne. Isso não significa que o artista deva desistir. Seu norte sempre foi e sempre será o da perseverança. Se a qualidade de um livro pode ser intuída a partir da epígrafe de abertura, então Pynchon já tem o seu lugar garantido no topo das boas novas; ele abre Against the Day com uma frase de Thelonious Monk, o grande pianista de jazz que, parece, tinha os seus rasgos de místico: It is always night, for we wouldn´t need light. É sempre noite, senão a gente não precisaria de luz. Não é uma mera epígrafe; é toda uma declaração de valores. O romance é o farol pelo qual toda a sociedade deve se guiar, mesmo que o caminho pareça estreito e difícil. E a função do artista é apresentar esta realidade implacável e misteriosa aos olhos do ser humano — para que fique preparado quando estourar a bomba da destruição e perseverar na adversidade.
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Excelentes escolhas, Martim. Li (com dificuldade de digestão) "As benevolentes" em 2016 com um dos meus clubes de leitura, e por sorte nossa, naquele momento a peça seria encenada na Hebraica, sob direção de Ulysses Cruz (Thiago Fragoso no papel de Max Aue). Então tive a cara de pau de convidar Ulysses Cruz para conversar conosco, e generoso, ele aceitou. O romance, que já havia me impressionado muito, passou a significar ainda mais após entender como ele traduziu as 912 páginas a um monólogo de pouco mais de 60 minutos. Explicou a elaboração do cenário, a dramaturgia e encenação, e aí, voltei ao romance. Você tem razão: é um livro que desafia o covarde em todos nós.
Mestre, disseram os maiores absurdos de Littel e Pynchon com ambos publicados, certo? No Brasil, nem a isso se atrevem mais (com autores brasileiros, digo). Literatura que pulsa só nas valentes editoras nanicas, parece.