[Leia a terceira parte do ensaio]
Deuses astronautas
O sublime, apresentado de forma tecnológica e assombrosa, é um dos grandes temas dos gibis de Jack Kirby a partir dos anos 60.
O crítico de quadrinhos Charles Hatfield expôs isso muito bem. O assunto ocupa um capítulo, “Kirby’s Technological Sublime”, de seu livro Hand of Fire, uma excelente apreciação crítica da obra do quadrinista. Como Hatfield muito bem diz, Kirby…
“…é alguém fascinado pela forma que as pessoas percebem o Sublime, no sentido Burkeano da palavra: aquilo que inspira assombro, que não é assimilável, e aquilo que é existencialmente vertiginoso e aterrorizante. O Quarteto Fantástico e grande parte do seu trabalho posterior caminham na direção do Sublime através de uma mistura assombrosa de magia e tecnologia”.
Esses dois elementos estão presentes em Os Eternos, como eu tentei explicar até aqui: a experiência humana, no ponto 2.1, e uma mistura assombrosa de magia e tecnologia [ou sobrenatural e ciência], no ponto 2.2. A questão, agora, é descobrir como isso foi possível — como ele conseguiu nos mostrar o sobrenatural de forma assombrosa, e não medíocre, ao combiná-lo com a ciência.
A primeira resposta para essa pergunta é: através da linguagem dos quadrinhos. Comentei antes como Kirby contrasta elementos bidimensionais e tridimensionais em sua página, com o objetivo de estabelecer uma conexão com as culturas pré-colombianas. Mas não é por acaso que, naquele exemplo, Kirby retrate de forma bidimensional os humanos que assistem o Celestial e de forma tridimensional o próprio Celestial, Arishem. É uma forma de deixá-lo comparativamente mais assombroso:
O contraste não é o único instrumento utilizado por Kirby nessa imagem para assombrar-nos com o Celestial. Kirby, ao longo de sua carreira, se tornou cada vez mais cartunesco em seu desenho. Ele não se constrange, portanto, em manipular com propósitos narrativos as regras de representação da realidade tal e qual nós a enxergamos.
Isso é flagrante nessa representação de Arishem, que evidentemente não obedece qualquer regra de perspectiva. Tampouco a pirâmide do lado esquerdo da imagem, conforme é facilmente verificável, porque o seu formato nos permite traçar as linhas de perspectivas pertinentes.