[Leia a quarta parte do ensaio]
*Por Vicente Renner
Thousand Oaks, 1977, Sapra Street
Se Jack Kirby queria nos mostrar o incompreensível para evocar o assombroso, podemos dizer com 100% de certeza que ele atingiu o seu objetivo pela metade. The Eternals não foi uma série compreendida pelos leitores ou pelos funcionários da editoria própria Marvel.
A reação dos fãs aos gibis do Kirby se fez perceber nas seções de cartas das revistas. As críticas diziam que os personagens não tem uma vida social convincente, as histórias não são verossímeis e não se ajustam à cronologia da Marvel. Até mesmo cartas elogiosas são nesse sentido. Em uma longa carta publicada em The Eternals n. 3, Ralph Macchio [futuro editor da Marvel] toca nos dois últimos pontos:
“Se o novo mito do Kirby for enxertado no mito da Marvel, vão aparecer contradições que inevitavelmente vão destruir dois dos elementos mais importantes que fazem a Marvel ser a Marvel: continuidade e verossimilhança. […] [A] continuidade é o que fez a Marvel ser diferente dos outros gibis, e eu espero que isso continue no futuro. Por favor, tenham isso em conta”.
Por outro lado, a reação negativa dos funcionários da Marvel [editores associados, que trabalhavam no Bullpen, em Nova Iorque, procurando pequenos erros nas páginas dos gibis que seriam ,publicados] é objeto de frequentes rumores. Dificilmente a sua extensão é confirmada. Alguns falam de aberto boicote e de publicação de cartas forjadas.
Tom Spurgeon e Jordan Raphael na sua biografia sobre Stan Lee, Stan Lee and the Rise and Fall of the American Comic Book, descrevem a situação nos seguintes termos:
“As relações entre Lee e Kirby eram, conforme todos os relatos, cordiais. De fato, o laço restabelecido contrastava diretamente com a deterioração da relação de Kirby com a nova guarda na Marvel. Os editores do bullpen mexiam no seu diálogo, algumas vezes para reescrevê-lo completamente. Funcionários plantavam comentários negativos nas seções de cartas dos gibis do Kirby, alguns dos quais eram falsos, em uma aparente tentativa de irritá-lo. Eles se referiam a ele como ‘Jack the Hack’. Alguns editores faziam comentários engraçadinhos em cópias de páginas desenhadas por Kirby e colavam elas nas portas do escritório”.
Mas deve-se ter em conta que Spurgeon, que foi editor do The Comics Journal e dono do The Comics Reporter, pode ser um dos melhores jornalistas que os quadrinhos já tiveram, mas ainda assim é um jornalista sujeito às dificuldades inerentes à sua profissão. Ninguém nesse trecho é nomeado e a fonte da informação não é especificada. Ele está, na verdade, escrevendo um rumor. Reportagem, não historiografia.