#ÓdioLegitimado
O enfraquecimento da memória do Holocausto gerou o antissemitismo contemporâneo
O ataque terrorista na Austrália deixa clara a onda de antissemitismo global dos últimos anos. Ele se manifesta não apenas à esquerda, com o constante viés da imprensa progressista de retratar islâmicos radicais como oprimidos e judeus como opressores, mas também à direita, por meio de teorias conspiratórias globalistas — como as que acusam George Soros de apoiar valores socialistas ao redor do mundo. O desafio deste texto é buscar algumas das causas dessa ascensão moderna do antissemitismo.
É claro que a guerra que eclodiu em Gaza logo após os ataques terroristas do Hamas é uma das causas mais evidentes, pois ela contribuiu para uma confusão entre política identitária e geopolítica. Judeus da diáspora passaram a ser cobrados coletivamente pelas ações do Estado de Israel, algo que não ocorre com outras nacionalidades — como se brasileiros ou descendentes de brasileiros no exterior fossem responsabilizados por decisões políticas de Lula. Isso cria um ambiente em que agressões, boicotes e intimidações são justificadas como “ativismo”.
Acredito que a convergência cultural e política do espírito do nosso tempo também esteja no centro da explicação para o atual antissemitismo. Como escrevi em um texto anterior, vivemos um momento de crise institucional. Sempre que instituições perdem credibilidade — seja o Estado, a academia, a ciência ou a grande imprensa — teorias conspiratórias ressurgem com força, e sociedades tendem a buscar culpados abstratos. A história mostra que os judeus sempre foram escolhidos para ocupar esse lugar simbólico.
Além disso, o momento político atual estimula o discurso do vitimismo como estratégia para arrecadar recursos e conquistar votos. Os judeus representam o oposto desse modelo: seu sucesso em áreas como ciência, cultura e comércio passa a ser mal visto em uma cultura cada vez mais hostil à meritocracia. A política se transformou em moralismo, e o sofrimento virou capital moral.
É verdade que os judeus historicamente sofreram. Não apenas foram vítimas do maior genocídio da história moderna, como também foram perseguidos por séculos nas mais diversas sociedades em que viveram. Mas é exatamente esse sofrimento que incomoda na atualidade, pois, na gramática identitária contemporânea, sofrer e prosperar é visto como uma contradição. Nesse contexto, o sucesso desproporcional dos judeus deixa de ser interpretado como deveria — um exemplo de resiliência — e passa a ser tratado como prova de um suposto privilégio.
A tudo isso soma-se a falência do tabu pós-Holocausto. O freio moral absoluto imposto pelo genocídio perdeu força por duas razões principais. Primeiro, pelo desaparecimento das últimas gerações com memória direta do Holocausto. Segundo, pela vulgarização de uma linguagem que antes possuía peso histórico específico. Se hoje todos podem ser acusados de nazismo — Bolsonaro, Trump e até os próprios judeus já foram comparados a Hitler por políticos de esquerda — e tudo passa a ser chamado de genocídio, o nazismo deixa de ser algo singular e inconfundível na história.
O crescimento contemporâneo do antissemitismo não é, portanto, um acidente histórico, mas um sintoma de sociedades que perderam referências comuns, de instituições que já não organizam o real e de uma política que trocou a busca pela verdade pela disputa moral permanente. Combatê-lo exige mais do que condenações retóricas: exige reconstruir a ideia de responsabilidade, restaurar a credibilidade das instituições e recuperar a capacidade de distinguir crítica legítima de ódio ancestral reciclado. Caso contrário, continuaremos repetindo a história sob novas máscaras, com antissemitas — independentemente de suas ideologias ou religiões — convencidos de sua própria superioridade moral




Existe mais um fator a ser considerado, que me foi apresentado por Giordana Terracina, pesquisadora do terrorismo Islâmico. Para a Europa, culpar os judeus pelo que aconteceu em Gaza, ajuda a expiar a colaboração com o Holocausto. "Viram co.lmo os judeus sao ruins? Nao foi tao errado o Holocausto".
Texto brilhante. Abarcar um tema imenso como esse e produzir um texto claro e conciso, e sem paixões, faz dele excelente explicação para meus amigos não judeus ou não informados. Claro que há mais variáveis em jogo, a principal sendo, a meu ver, a máquina goebbeliana de propaganda antissemita do eixo do mal, agindo desde os anos 80. Mas para aqueles que ainda estão abertos a novos fatos e querem entender o antissemitismo atual, o texto é irretocável.