#OMitoDaLibertação
Com tarifaço, Trump parece não entender a profunda transformação que ocorre na economia do trabalho.
O “Dia da Libertação” (Liberation Day), anunciado por Donald Trump, veio acompanhado de um tarifaço sem precedentes, aplicado a parceiros comerciais do mundo todo. Alinhado ao lema de campanha estampado em seu icônico boné vermelho Make America Great Again, o movimento provocou, como efeito imediato, uma forte queda nos valores das ações nas bolsas americanas. Em seguida, vieram as respostas retaliatórias de países duramente atingidos pelas novas tarifas.
O que me surpreende, enquanto estudioso do Futuro do Trabalho, é a percepção equivocada de que haverá alguma forma real de “libertação”. Se a principal justificativa dessa política é o retorno das indústrias aos Estados Unidos, com a promessa de gerar empregos, impulsionar a economia e melhorar a vida do trabalhador americano, o risco de fracasso é total.
É ilusório atrelar a criação de empregos ao setor industrial, cuja capacidade de absorção de mão de obra tem diminuído consistentemente ao longo das décadas. Trump parece desatento à profunda transformação que ocorre no cerne da economia do trabalho. A estratégia de fomentar empregos por meio de estímulos setoriais e políticas industriais ignora o verdadeiro nó górdio da questão.
Para sustentar essa visão, extrapolo a discussão do comércio internacional e volto meu olhar às realidades internas das empresas, apontando alguns fatores fundamentais:
O declínio estrutural do setor industrial: Há décadas, a participação da indústria na geração de empregos vem diminuindo. Impulsionada pela inovação tecnológica, a produtividade cresceu, eliminando postos de trabalho. A automação, a robotização e os ganhos de eficiência tornaram a produção cada vez mais independente da força de trabalho humana.
A erosão da geografia do trabalho: O avanço do trabalho remoto e híbrido reduziu a importância da localização física. A ideia de “morar perto do trabalho” perdeu força. Com a virtualização das atividades, o emprego migra para plataformas e redes, não para fábricas ou escritórios fixos.
A crise do emprego como instituição: O modelo de trabalho baseado na lógica industrial está em ruínas. A gestão tradicional — baseada em regras rígidas, processos exógenos e estruturas hierárquicas — tornou-se ineficaz e desumanizadora. O trabalho, para muitos, perdeu seu propósito e tornou-se uma atividade sem significado.
No centro da crise, está o vínculo quebrado entre o trabalhador e o sentido do fazer. A era industrial moldou o indivíduo como alguém que “produz e entrega”, mas amputou sua dimensão subjetiva, separando o fazer do ser. O resultado é um trabalhador alienado, exausto, menos comprometido e cada vez mais ignorante no porquê de sua rotina.
A recusa das novas gerações: Percebendo esse descompasso, muitos jovens têm se recusado a entrar na engrenagem tradicional do emprego. Não se trata de preguiça, mas de lucidez. A corrida dos ratos perdeu o apelo. A juventude quer autonomia, significado e conexão — não apenas um salário ao fim do mês.
Em suma, alguém precisa avisar Melania Trump (a única pessoa que o presidente americano ouve e obedece), que não é com tarifas que se enfrenta a crise estrutural do trabalho. O problema é mais profundo, mais complexo — e não se resolve com medidas protecionistas do século passado.
Excelente coluna. Finalmente, alguém afirmou que o modelo mental de Trump é do (início do) século passado.
Já circula um vídeo nas redes no qual Musk propõe uma zona de livre comércio entre EUA e União Europeia.
A ficha começa a cair para os isolacionistas desvairados da Sala Oval.
Há duas formas de analisar o que faz o Trump.
A primeira é achar que ele é um completo tolo vaidoso que faz bobagens sem parar. Que rende matérias explicando seus erros simples.
A segunda forma é imaginar que ele pode ter um plano viável. Que vai reduzir essas alíquotas na medida em que obtiver vantagens. Que conseguirá atrair especialmente indústrias de alta tecnologia (que nem empregam tanto) mas que preservam conhecimento e pagam salários melhores.
Empresas americanas produzem na China utilizando intensa robotização. Buscam câmbio e alíquotas favoráveis como as de hoje. Essas empresas é que o Trump quer que voltem.
Acho que ele fala sobre trazer empregos como retórica de um político. Quer na verdade atrair a tecnologia de volta.
Não creio que as lideranças de US estariam apoiando um plano sem pé nem cabeça.