Nesta semana, o Datafolha divulgou uma pesquisa que mostra que 8% dos eleitores do Bolsonaro e 7% dos de Lula acreditam que a Terra é plana.
Para a frustração daqueles que esperavam mais terraplanistas bolsonaristas do que lulistas, a pesquisa deixa claro que ignorância não tem relação com ideologias nem com escolhas políticas. Curiosamente, os números brasileiros são praticamente os mesmos de pesquisas semelhantes feitas nos EUA - país com índices de educação superiores aos nossos -, revelando algo que vai além do analfabetismo científico.
Nos últimos anos, principalmente após a pandemia de COVID 19 (e das conspirações pseudocientíficas que a acompanharam), inúmeras pesquisas têm trazido à tona uma crise de racionalidade que, supostamente, estaria atingindo a população mundial em pleno Século 21. Contudo, as pessoas continuam tão racionais como sempre foram em suas rotinas: independente de suas crenças, ninguém acredita, por exemplo, que vai acordar e conseguir ir para o trabalho com o poder da mente, com a ajuda de um espírito ou com uma reza braba. As pessoas sabem que precisam se locomover de uma maneira bem mundana para trabalhar: por meio de um veículo próprio, um transporte coletivo ou caminhando com suas próprias pernas.
A coisa muda completamente de figura quando estamos falando de crenças relativas a coisas distantes da nossa realidade física. O Universo foi criado pelo Big Bang ou por uma entidade divina? Qual a idade da Terra e do Universo? Seriam bilhões de anos ou os 5 mil anos bíblicos? O surgimento de UFOS está relacionado a fenômenos atmosféricos desconhecidos ou é a comprovação de que discos voadores visitam nosso planeta? Como não convivemos com esse tipo de realidade no nosso dia a dia, nossa percepção diante dessas perguntas é retirada de interpretações coletivas de instituições (universidades, igrejas, organizações internacionais etc.).
A propagação recente do terraplanismo, assim como de várias outras teorias da conspiração, não está, portanto, relacionada a uma crise educacional ou de racionalidade, mas está ligada à mesma crise que aflige a grande imprensa: a de credibilidade dos gatekeepers, que são aqueles que produzem e selecionam as informações divulgadas para o grande público, podendo ser desde uma organização internacional como a OMS até o editor de um jornal local. Por algum motivo, as pessoas comuns deixaram de dar crédito às comunidades responsáveis pela verificação dos fatos.
São inúmeras as tentativas de explicação por trás desse atual descrédito, sendo o crescimento das redes sociais e das fake news o bode expiatório favorito. Porém, há séculos os judeus são acusados de envenenar poços de água e as teorias sobre o assassinato de JFK surgiram décadas antes do Youtube, sem falar da "queda" do disco voador do famoso Caso Roswell em 1947. Tudo indica que as mentiras e as conspirações são tão antigas quanto a própria linguagem. A internet, portanto, apenas aumentou a velocidade com que as essas bobagens se propagam.
"A pandemia de conversa fiada”, para usar as palavras de Steven Pinker, está sendo causada por outros motivos, sendo um dos principais o sectarismo político que está contaminando instituições que deveriam ser apolíticas. Como uma pesquisa de 2018 nos EUA deixou claro, a confiança das pessoas na ciência continua a mesma; é a confiança nas universidades americanas que está afundando. Os dogmas woke relativos a gênero, raça e orientação sexual, por exemplo, criaram uma monocultura acadêmica cujas discussões abstratas têm levado esses centros de estudo não apenas à desconfiança, mas mesmo à chacota diante dos olhos do cidadão comum que tem que lidar com a realidade palpável do dia a dia para pagar seus boletos, sem contar que a academia se transformou em um berço para o ressurgimento do antissemitismo, como vemos nos protestos ocorridos na Columbia University, em que os estudantes de esquerda defendem a liberdade de expressão a favor do… Hamas. Não por acaso, o mesmo vem acontecendo com a imprensa, que depende exclusivamente da academia para confirmar o seu viés progressista e a favor do terrorismo islâmico.
A queda acentuada de leitores dos grandes jornais não demonstra, como pode se pensar, que os assinantes deixaram de confiar no jornalismo; na verdade, eles não confiam mais nos veículos jornalísticos que estão por aí. Sites de notícia, assim como as universidades, deveriam ser modelos de diversidade de pontos de vista, mas não é isso que acontece. Da mesma forma que os acadêmicos, muitos dos profissionais do jornalismo se deixaram contaminar por causas políticas, fazendo com que seu viés partidário atrapalhe o julgamento crítico na hora de selecionar os fatos e narrar as versões. Além disso, as redes sociais, que pareciam candidatas a substitutas da grande mídia, se venderam pela moeda corrente dos likes, deixando o público que busca por veracidade ainda mais perdido numa infinidade de trolls, bots e haters.
Como ninguém é capaz de saber tudo, nós terceirizamos o conhecimento a aqueles que criam e compartilham conteúdo. É por isso que confiança é um recurso fundamental na cadeia do fluxo de informações. Recurso esse que, infelizmente, vem sendo desperdiçado por jornalistas e professores universitários, sem falar de instituições governamentais e ONGs, que estão cada vez mais ocupados em semear o ódio e o medo do que em avaliar a realidade com base em evidências sólidas que possam aumentar a precisão de suas previsões.
Na esteira desse processo, o vácuo deixado pela descrença em instituições como a NASA, a OMS, ou mesmo os jornais diários, é preenchido por pseudociências como a do terraplanismo, tornando o mundo um lugar mais perigoso. Afinal, crenças falsas sobre vacinas e medidas de saúde pública ameaçam o bem estar e a vida de milhões, assim como teorias conspiratórias sobre "a ascensão mundial da extrema direita" ou sobre "a farsa das urnas eletrônicas” podem acabar servindo para solapar a democracia e instaurar uma ditadura de esquerda ou de direita.
Para a terra ser finalmente plana na cabeça desses estúpidos, basta entregar a nossa consciência em uma bandeja de prata. É o que fazemos todos os dias ao acreditarmos na pandemia da conversa fiada.
A transparência e a coerência são filhas da Confiança. Por outro lado tipos invertebrados que se adaptam ao mando financeiro e econômico, do poder e da política, dos interesses mesquinhos, no curto e no médio prazo se revelam desprezíveis.
Há naqueles razoavelmente instruídos uma contínua depuração na leitura de jornais e na assimilação de notícias, pois a cada tentativa de mais um voto de *confiança*, vem duas a três comprovações claras e evidentes de deslizes e dissonâncias.
Eu imagino que 90% dos lulentos e bolsonarentos nem entenderam a pergunta, por isso o índice foi tão baixo.
Se acreditam em lulas e bolsonaros... terra plana é bolinho...