[Leia a segunda parte do ensaio]
Turka
Em sua cidadezinha da província, para Helena pouco importa o que acontece na Áustria, e quase nada se sabe do que acontece na Rússia. Continua firme em seu propósito. É o final de 1938, conseguiu finalmente todos os documentos para ir para América estudar medicina. E eis que muda-se para Turka um jovem médico, Abraham, meu tio, apelidado de Bumek, cujos olhos de um azul profundo preenchem, pouco a pouco, o espaço do sonho da América. Ele fala baixo, estuda muito, ouve calmamente o que lhe contam seus pacientes. Eu o conheci quase 30 anos mais tarde, e ainda era exatamente assim. Bumek demorou anos para revelar a Helena que havia sido um atleta premiado (representou a Polônia em tênis e natação nas Macabíadas na Palestina judaica, em 1935), e médico premiado (por distinção na Universidade em Basel). Sua - minha - família, de nome Hamermesh (literalmente, 'o que forja martelos') era de Lodz, uma cidade bem maior do que Turka. Ele havia estudado Economia a instâncias de seus pais, mas uma vez formado, decidiu seguir seu coração e estudar medicina. Assim como Helena, seria proibido de entrar nesse curso na Polônia por ser judeu, então matriculou-se em uma universidade em Basel, na Suíça. Quando voltou, já médico, não pôde exercer a profissão em Lodz (adivinhe por que), e foi enviado pelo Conselho de Medicina a Turka, uma cidade pequena na província da Galícia. Lá ele não teria como se sobressair, não iria concorrer com médicos não judeus. Ou assim eles pensavam.
Mesmo após conhecê-lo Helena ainda sai de Turka para começar sua longa rota até a América, mas só consegue chegar até a fronteira com a Ucrânia. Os alemães ameaçam invadir a Polônia de um lado, a Rússia de outro. Ela volta à sua cidade, reencontra Bumek, e meses mais tarde, casam-se. É o fatídico ano de 1939. O que aconteceria a cada um desses jovens apaixonados daria um livro, e o livro existe.