A exploração política da morte da vereadora Marielle demonstra o submundo que se tornou o nosso país. Para boa parte dos nosso políticos, um crime é apenas uma oportunidade para detratar os opositores.
A impressão é que ninguém está realmente preocupado com a escalada da violência. Muito menos com a Justiça. Nossas instituições estão sempre sendo manipuladas para favorecer uma ou outra vertente política.
Por não termos mais as bases para estabelecer uma ética e uma justiça, as expressões morais perderam totalmente o sentido e, quando ressurgem, ganham um significado totalmente alheio aos princípios sociais em que foram forjados.
A ideia de Estado moderno como “reino da razão” depende de valores éticos que possam dar fundamento a um ambiente cultural em que a política seja pautada pela justiça e pelo bem comum, e não apenas pelas pelas guerras intestinas de que falava Hobbes ou a mera manutenção do poder teorizada por Maquiavel.
A polarização política não é novidade, mas apenas a consequência de uma visão de mundo romântica baseada no pessimismo cultural – que os alemães já catalogaram como Kulturpessimismus. Anunciar a catástrofe ao mesmo tempo em que se propõe a solução não é exclusividade de nenhum dos incontáveis espectros políticos existentes. É possível identificar o apocalipse tanto no colapso do capitalismo profetizado por Marx, quanto nas críticas conservadoras às páginas impressas do Manifesto do Partido Comunista de 1848.
Mas quando a política é feita com base em radicalismos, ela se torna estéril. Porque, de um lado teremos sempre os políticos querendo impor seus planos perfeitos e inquestionáveis, sem medir os custos sociais para a sua implementação; e de outro, os opositores reagindo ao que consideram imperfeito e até mesmo imoral. Então, esses heróis românticos se sentem com poderes ilimitados para defenderem o único bem que lhes parece certo.
Michael Oakeshott referia-se a essa atitude como “política da fé”, a crença de que a função de um governo seria controlar e organizar a atividade humana, visando a sua perfeição. Como os políticos são alçados a salvadores da sociedade, o povo deve apenas obedecer e cumprir as regras estabelecidas sem o seu consentimento. E sem legitimidade para questionar as decisões e nem mesmo ter voz para fazer valer as suas demandas sociais, os opositores veem na intransigência do governo uma justificativa para o radicalismo. Afinal, se o próprio governo acredita que pode legitimar uma pedalada nas leis para atender a um determinado projeto político, qual argumento poderia ser usado para coibir atos extremistas que também ignoram as leis para um determinado projeto político?
Não se pretende reparar a injustiça buscando a justiça, não se pretende vencer o mal com o bem, mas apenas responder a injustiça através do ressentimento. Não se ouve mais o grito da consciência que procura sufocar o ódio de um pessimismo metafísico. O ser humano tornou-se um mal a ser combatido, principalmente quando ele se encontra do outro lado do Rubicão ideológico.
A primazia da política sobre a cultura é, talvez, uma das características mais marcantes da modernidade. A tentação de transformar o mundo, tal como exposto na 11ª tese de Marx sobre Feuerbach, corrompeu a juventude, os aposentados, os youtubers e, mais recentemente, os bilionários que encomendaram uma versão exclusiva de tese marxista: “os bilionários apenas acumularam dinheiro de diferentes maneiras, o que importa agora é gastá-lo para tornar o mundo melhor”.
O problema é que, nessa dinâmica onde todos se consideram anjos – e, obviamente, seus inimigos demônios –, as relações políticas vão se tornando inviáveis e destrutíveis. E não seria exagero dizer que, aos poucos e de forma constante, estamos cometendo um politicídio.
Talvez a solução esteja na ação política comunitária e totalmente independente, desinteressada. Mas não é fácil convencer uma multidão que faz vigília para político corrupto na porta da cadeia ou ficam em acampamentos em frente aos quartéis pedindo intervenção militar.
Não seria difícil organizar todo esse povo para fiscalizar o que o prefeito anda fazendo ou deixando de fazer. Mas a política real dá mais trabalho do que fingir um patriotismo lutando por valores abstratos e fantasias ideológicas.
Há alguns caminhos para a política real. A começar pela leitura diária do NEIM que nos distancia dos fanáticos (aqueles, como você menciona Chiuso, da porta da cadeia ou da frente do quartel). Considero que o que vocês trazem nos oxigena em clareza e discernimento. Clareza para ver o que tentam os políticos carreiristas esconder por trás de cortinas de fumaça. Discernimento para caminhar, para progredir, para transformar. A maioria de nós tem filhos, e mais alguns já tem netos. Queremos sim, e torcemos pela transformação. E à ela (a transformação para o futuro), muitos de nós se dedicam.
Bravo!