#RevolucionáriosAFavor
A contracultura atual é apenas uma forma de manter tudo como está
Em maio de 1968, estudantes franceses se organizaram para ocupar a administração da Universidade de Paris. Sob a liderança do jovem anarquista Daniel Cohn-Bendit, nasceu o Mouvement du 22 de Mars. A ocupação era um protesto contra as medidas disciplinares impostas a estudantes que haviam se excedido em atos contra a Guerra do Vietnã, mas logo foi tomada por demandas burocráticas, como a exigência da contratação de novos professores, a construção de novas salas de aula e, principalmente, a reforma completa no sistema de provas que, segundo os estudantes, eram rigorosas demais.
O reitor também resolveu protestar. Chamou a polícia, que esvaziou o prédio em pouco mais de meia hora. Muita gente garante que essa foi a primeira vez que policiais entraram, oficialmente, na Universidade de Paris. Não é verdade. A primeira foi ainda na Idade Média, quando os arqueiros do rei tiveram que escoltar São Tomás de Aquino para que ele pudesse dar sua aula inaugural, enquanto os manifestantes, contrários a aulas muito rigorosas, impediam a entrada dos estudantes.
Se dos conflitos da Idade Média surgiu a Filosofia Escolástica, da revolução de Maio de 68 herdamos a sublime “noite das barricadas”. A polícia dispersou os estudantes da universidade, mas não a revolta, que se espalhou por todo o Quartier Latin. Orgulhoso, o filósofo Herbert Marcuse reportou os acontecimentos de Paris, numa conferência na Universidade da Califórnia, poucos dias após o motim se espalhar por toda a cidade:
“o que aconteceu é que os alunos simplesmente pegaram diversos automóveis que estavam estacionados e, sem a menor consideração pela propriedade privada, viraram os carros, bloqueando as ruas com barricadas (...). Depois, soltaram os bons e velhos paralelepípedos de Paris, que já haviam servido nas revoluções de 1848 e 1870, e os usaram como armas contra a polícia”.
Mas os revolucionários não esperavam que, com bombas de gás lacrimogênio, os policiais conseguissem desbloquear facilmente as ruas e, em pouco mais de meia hora, colocassem ordem na bagunça dos estudantes revoltados.
Como os franceses gostam de uma revolução, nas três semanas seguintes houve greve geral em Paris. E a partir de então, tornaram-se recorrentes as revoltas estudantis, inclusive no Brasil, que tem a mania de copiar as modas estrangeiras. Nossos intelectuais entraram na onda de Marcuse, que via os protestos radicais como oportunidades para corromper a ordem social e econômica da vida burguesa. Ainda que não fosse ingênuo para acreditar que uma dúzia e meia de estudantes deslumbrados fosse capaz de fazer uma revolução, ele se entusiasmava sempre que surgia uma rebelião contra o capitalismo.
Mas os sindicatos controlados pelo Partido Comunista Francês não concordavam com as teses de Marcuse. Passaram a criticar a ação dos estudantes, a quem chamavam de “crianças burguesas”. Obviamente, as crianças burguesas revidaram, acusando os membros do Partido de terem se vendido para o sistema. E na mesma conferência da Califórnia, Marcuse marcou posição contra o Partido Comunista Francês, dizendo que “ainda não era um partido de governo, mas não tinha outro desejo a não ser se tornar um partido do governo o mais rápido possível”. A história realmente se repete como farsa.
No ano seguinte, em 1969, ocorreu algo semelhante numa universidade na Alemanha. E o evento não teria sido importante se o protagonista fosse um professor qualquer, e não Theodor Adorno, diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, a famosa Escola de Frankfurt. Os estudantes se organizaram para ocupar a sede da Teoria Crítica. Adorno tentou fazê-los desistir com um diálogo fraterno e extremamente filosófico, mas, no final, teve de recorrer à dialética da ação repressora. Com um telefonema acionou os policiais que esvaziaram o prédio em pouco mais de meia hora. A exemplo dos parisienses, mais tarde os estudantes alemães retomaram a ação revolucionária, desta vez paralisando uma aula de Adorno com um desfile de mulheres nuas simulando atos eróticos. Novamente foi preciso recorrer à dialética da repressão, que logo dissipou os manifestantes desinibidos.
Claro que Adorno foi cancelado pelos influencers da época. Ele se defendeu dizendo que a polícia tratou os estudantes com mais tolerância do que os estudantes o tinham tratado. Exigiam dele uma retratação pública, que ele considerou um “autoritarismo stalinista”. Chegou a adotar o termo “fascismo de esquerda”, cunhado por seu discípulo Jünger Habermas que, embora fosse a favor da participação política revolucionária por meio da desobediência civil, criticava os grupos radicais que agiam de forma violenta e se pautavam pelo “anti-intelectualismo”.
Pode não parecer, mas essas histórias são importantes para entendermos a natureza do que ocorre atualmente nas nossas universidades. Um local concebido precisamente para elevar o ser humano, iluminando sua razão para descobrir os mistérios da existência, manipular a natureza com técnicas científicas em busca de curas para doenças e o bem estar humano, acabou sendo ocupado por “crianças burguesas” que pretendem mudar o mundo com barricadas ideológicas, depredações do patrimônio público e autoritarismos stalinistas.
Porém, meio século depois dos revoltados parisienses e os jovens desinibidos alemães, a radicalidade do movimento estudantil sequer foi capaz de arranhar a casca do modo de produção capitalista. Pelo contrário, nossos comunistas de shopping center incrementam ainda mais o capitalismo quando pretendem chocar a burguesia com seus coturnos de grife e cabelos coloridos. Servem apenas para atrapalhar a produção acadêmica e passar pano para políticos corruptos. Já não defendem mais uma revolução para derrubar o sistema, mas apenas uma forma revolucionária de manter o status quo.
Depois reclamam que a China está dominando o planeta. Enquanto o Ocidente produz subintelectuais, que não geram nada de riqueza ou conhecimento util, ela forma milhares de engenheiros e cientistas por ano.
Pois foi essa a história que criou a maioria do nosso jornalismo e educadores universitários, que ainda acreditam que essa merda toda levará a civilização a algum lugar melhor, embora não saibam bem o que isso significa.