[Leia a sexta parte do ensaio]
O Homem sem Medo e O Casamento do Céu e do Inferno
“Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio.
A loucura é o manto da velhacaria.
O manto do orgulho é a vergonha.
As prisões se constroem com as pedras da Lei, os bordéis, com os tijolos da Religião.
O orgulho do pavão é a glória de Deus.
A luxúria do bode é a glória de Deus.
A fúria do leão é a sabedoria de Deus.
A nudez da mulher é a obra de Deus.
O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora.
O rugir de leões, o uivar dos lobos, o furor do mar tempestuoso e da espada destruidora são fragmentos de eternidade grandes demais para os olhos humanos.
A raposa condena a armadilha, não a si própria.
Os júbilos fecundam. As tristezas geram.
Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha.
O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.
O sorridente tolo egoísta e o melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que sejam flagelos.
O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado”.
–William Blake, Provérbios do Inferno
[tradução de Paulo Vizioli]
Daredevil #169 começa com uma piada que, na página seguinte, vira um massacre.
O Mercenário sofre uma crise psicótica e enxerga, delirante, todas as pessoas que caminham pela rua como Demolidor. Miller e Janson estão evidentemente se divertindo. Os “Demolidores” não são heróicos e atléticos como Matt Murdock; eles são gordinhos, usam gorras e cachecóis:
É então que o Mercenário reage: em quatro segundos, ele mata duas pessoas, para evidente terror dos outros “Demolidores”.
Ao contrário do que esse exemplo pode sugerir, essa aparente contradição não é usada apenas de forma pontual.
Em Daredevil #163 [“Blind Alley”], o Demolidor enfrenta o Hulk, no que é uma atualização do confronto Demolidor x Namor de Daredevil #7 [desenhado por Wally Wood].
É uma premissa tão boba que até os outros quadrinistas da Marvel se deram conta. A lenda, alimentada pelo próprio Miller, é que ele teve a ideia para essa história por conta de uma piada frequente na redação do Demolidor. “Tive uma ideia para uma história”, o piadista dizia; “o Demolidor enfrenta o Hulk. Ainda não sei o que acontece no segundo quadrinho”. Não basta isso: a história leva o Demolidor ao hospital. Na edição seguinte, ele está lá internado como… o Demolidor.
A ingenuidade da premissa, no entanto, contrasta com a complexidade de sua execução. Assim, o confronto impossível entre o Demolidor e o Hulk ganhou uma capa como essa: