[Leia a primeira parte do ensaio]
Por Rodrigo Duarte Garcia
Nas primeiras folhas de “Miss Dollar”, que abre Contos Fluminenses, Mendonça diz a um grupo de amigos que, “se alguma vez encontrasse um par de olhos verdes fugiria deles com terror”, porque a “cor verde é a cor do mar, respondeu Mendonça; evito as tempestades de um; evitarei as tempestades dos outros”. Está ali a lição número um de Machado de Assis: o mar deve ser temido. De modo que é preciso resistir a seus encantos: “Mas que te não seduza o cântico das águas, /Não procures, Corina, o caminho do mar!” [1]. Também no poema “Uma Ode de Anacreonte”, Mirto confessa temer o mar, e Cleon responde-lhe que o seu medo é justo.
E é justo porque, para Machado de Assis, o oceano está sempre associado a tormentas [2]: não há mar sem tempestade [3], as águas salgadas são turbulentas, incertas [4] e pérfidas [5]. O mar é traiçoeiro, atrai e draga para uma vastidão escura, não sendo mesmo por acaso que Machado usou a sua imagem para descrever com perfeição os famosos olhos de Capitu, em Dom Casmurro: “Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. (...) a onda que saía delas (as pupilas de Capitu) vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me”. A passagem, conhecidíssima, é tremenda. Na obra de Machado, temos mesmo notícia apenas desse “mar torvo, soturno, onde as vozes do infinito se perdiam” [6], e que “se rasga, à maneira de abismo” [7].