O aniversário de trinta anos do Manhattan Connection vai ser comemorado na data da morte de Paulo Francis. Isso rendeu até o nome do programa especial que vamos exibir em 4 de fevereiro: Trinta Anos Esta Noite, como o livro de memórias de Paulo Francis.
Nunca pensei tanto nele quanto agora. E nunca senti tanta falta dele. O mérito é de Lucas Mendes, que tem abastecido nosso WhatsApp com velhas fotografias e velhos trechos do programa, um melhor do que o outro.
Em 2014, no comecinho da Lava Jato, o próprio Lucas Mendes escreveu para a BBC um texto imperdível sobre os últimos meses - e as últimas horas - de Paulo Francis. Pedi para reproduzir o texto aqui, porque - repito - é imperdível, e resgata a memória de alguém que o Brasil não tem o direito de esquecer.
Obrigado, Lucas.
Naquele outubro de 1996, no café da manhã antes da gravação, Francis estava de mau humor. Era normal. Acabava de sair da cama.
Meia hora depois ele estava de bom humor. Era normal. Nossa conversa na copa antes de gravar era fiada. Francis não falou em Petrobras. No meio do programa, ele jorrou denúncia e transcrevo a gravação:
Francis: "Os diretores da Petrobras todos põem o dinheiro lá... (Suíça) tem conta de 60 milhões de dólares..."
Lucas: "Olha que isso vai dar processo..."
Francis: "É... um amigo meu advogado almoçou com um banqueiro suíço e eles falaram que bom mesmo é brasileiro (…) que coloca 50 milhões de dólares e deixa lá".
Lucas: "Os diretores da Petrobras tem 50 milhões de dólares?"
Francis: "Ahh é claro... imaginem... roubam... superfaturamento... é a maior quadrilha que já existiu no Brasil".
Foi além, mas não deu nomes dos diretores. Nem citou fontes. No próprio programa, o número variou de US$ 50 milhões para 60 milhões. Preocupado, perguntei se queria que cortasse a denúncia, embora o programa, depois de gravado, só sofra cortes por tempo. Francis disse que não.
Na imprensa, numa escala de 1 a 10 em repercussão, a denúncia do Francis mal registrou uns 2 pontinhos. Saíram notas em colunas. Ninguém cobrou da Petrobras. Não sei por que o Francis nunca levou a denúncia para os poderosos Globo, Estadão e Jornal da Globo, onde trabalhava, além do Manhattan Connection, e tinham calibre muito mais grosso do que o GNT.
Seria o poder da Petrobras de silenciar a mídia com sua publicidade? Ou sua reputação na época estava acima de qualquer suspeita? A limitada audiência do canal?
Em novembro, Francis anunciou no programa, também sem aviso prévio, que estava sendo processado pelos diretores da Petrobras, que "queriam US$ 100 milhões de indenização". Na primeira página da carta de intimação dos advogados dos diretores aparecem sete nomes, mas não há este número.
Ainda não descobri de onde saiu. Estes valores quase nunca constam da primeira comunicação entre o processador e o processado.
Francis entrou num inferno legal. Por sugestão do amigo Ronald Levinsohn, contratou uma advogada e pagou US$ 7 mil. Quando comentei que não era muito, o Francis ficou furioso. Disse que eu não sabia das finanças dele. Até que sabia, porque ele me contava, mas uma só defesa num processo grande poderia destruir a poupança dele. Se perdesse, ficaria arruinado por muito menos do que US$ 100 milhões.
Repercussão na imprensa sobre o processo? Mínima. Saíram notas sobre os assombrosos US$ 100 milhões.
Em dezembro, Francis foi passar o Ano Novo em Paris com Sonia Nolasco, Diogo e Anna Mainardi. Diogo disse que ele parecia arrasado. Poucas semanas depois, em janeiro, ligou para o Diogo animadíssimo. Tudo estava sob controle. Diogo comentou com a mulher que o Francis devia ter tomado a bolinha certa naquele dia.
É possível que Paulo Mercadante, seu advogado no Brasil e amigo desde os tempos de Pasquim, tenha informado a ele que o processo não poderia correr na Justiça americana, porque o programa não ia ao ar nos Estados Unidos. Este tipo de processo no Brasil está mais para um punhado de reais do que para os absurdos US$ 100 milhões que assombravam o Francis.
Dia 31 de janeiro, Francis apareceu na gravação passando a mão no ombro esquerdo e se queixando de dor. Saiu direto para o médico, Jesus Cheda, tomar uma injeção de cortisona, como sempre fazia quando estas dores apareciam. Bursite, dizia.
Quatro dias depois, terça-feira, por volta de 5 da manhã, Francis sofreu um fulminante ataque cardíaco e caiu morto no meio da sala, onde ainda estava quando cheguei. O telefone não parava, Sonia não atendia. Atendeu um deles, do presidente Fernando Henrique Cardoso, que deu uma bronca póstuma no Francis pela irresponsabilidade com a própria saúde.
Francis, havia muitos anos, tinha parado de tomar porres, de fumar e de comer bifões crus. O controle da Sonia deu resultado, mas o controle não resolveu o problema da saúde preventiva nem o sedentarismo. Ela não conseguia levá-lo a médicos sérios para fazer check-ups regulares.
Melhorou a dieta, mas continuou chegado nos cheesebúrgeres do PJ Clarke's na frente da Globo na hora do almoço e comida chinesa perto da casa dele, onde fez sua última ceia, no Chiam. Parecia um touro de forte. Teve tumores benignos no pescoço, mas não adoecia e nunca deixava de trabalhar. Nem fazia exercício, Nunca. O máximo era uma caminhada semanal com Elio Gaspari do restaurante Bravo Gianni ao museu Metropolitan, para queimar calorias.
Era o dia favorito dele. As noites favoritas eram no balé, com Sonia, ou assistindo óperas e filmes antigos em casa. O último na noite da morte, foi Notorious (Interlúdio no Brasil), de Hitchcock, com Cary Grant e Ingrid Bergman. Da denúncia à morte de Francis foram quatro meses.
Os diretores da Petrobras foram atrás do espólio e da viúva Sonia Nolasco, mas, em parte, por intervenção do presidente Fernando Henrique Cardoso e do próprio advogado, Paulo Mercadante, desistiram do processo. Felizmente o Brasil não desistiu. O petrolinho do profético Francis gerou o Petrolão. A operação Lava Jato deveria ser rebatizada Operação Paulo Francis.
Não sobrou nada da Lava-Jato, somente os vídeos onde todos os pistolões ficaram pistolinhas durante os depoimentos. Não sei o motivo, mas as pistolinhas sempre me lembram as risadinhas do Francis no MC. Ele talvez se divertiria com isso.
A corrupção na Petrobrás é antiga, Paulo Francis já sabia, mas coube ao PT o "mérito" de tê-la elevado ao nível de arte. Nunca houve tanta roubalheira, tão descaradamente, e, infelizmente, todos q se propuseram a denunciar e/ou agir contra a corrupção, de Paulo Francis aos procuradores, investigadores e juiz da Lava Jato, foram moídos pelo sistema.
Aquele sentimento nacional q surgiu, de apreço pela limpeza e moralidade na gerência da coisa pública, se esvaiu e o brasileiro voltou ao seu patamar normal de conformismo e indiferença c/ a ladroagem de políticos e empresários corruptos.
Paulo Francis continua mais atual do q nunca, décadas se passaram, quase nada mudou, e, a considerar o ambiente desse 2024, daqui a 30 anos tudo continuará igual. Felizmente não estarei mais por aqui.