[Leia a terceira parte do ensaio]
O que herdamos de Portugal?
Se eu tivesse que apostar, diria que o que não herdamos de Portugal foi a melancolia. Por um lado, isso é uma boa notícia: é ótimo para atrair turistas, para encenar o somos-todos-felizes-o-tempo-todo. Por outro, melancolia dá boa literatura. Como afirma Cristovão Tezza, o escritor tem que ter a alma fraturada. Gente feliz não escreve. Joga futebol, coloca seu cãozinho em carrinho de bebê para passear, bronzeia-se.
A melancolia que perpassa a boa literatura portuguesa não é suscetível a modernidades. Ela corre nas veias de escritores como Augustina Bessa-Luís, Fernando Pessoa e muitos outros. Francisco José Viegas é um observador sagaz dessa melancolia. Portugal subiu na vida, mas nem todos os portugueses apreciam a mudança. Em Luz de Pequim, Jaime Ramos lamenta a mudança, o progresso inevitável, as novas marcas da cidade do Porto. Apesar do turismo, das reformas nas fachadas, dos novos cafés e passeios, a cidade, assim como o detetive, conserva sua melancolia, sua identidade profundamente portuguesa. Ele surgiu na literatura há 30 anos, e foi intensamente afetado pelas mudanças ao seu redor. Hoje, olhando para trás, sabe que o progresso era necessário, sabe que foi benéfico, mas não pode evitar a saudade daquela cidade onde ele andava descalço.