#unamuno: Em louvor à frase longa e complicada (2)
Aprenda as regras para depois desobedecê-las - por Ed Simon e David Bentley Hart
[Leia a primeira parte do ensaio]
-Textos selecionados, traduzidos e comentados por João Pinheiro Silva
III. Trinta e Três Regras Para a Boa Prosa – por David Bentley Hart
[…]
Quando se coloca a bíblia King James ao lado da prosa não só de Browne mas de todos os grandes escritores ingleses da época, por um período de algumas gerações – John Florio (1552-1625), Lancelot Andrewes (1555-1626), John Donne (1572-1631), Robert Burton (1577-1640), Thomas Hobbes (1588-1679), Izaak Walton (1593-1683), John Dryden (1631-1700), Thomas Traherne (c. 1636-1674), Joseph Addison (1672-1719), e assim por diante – não se pode deixar de sentir que nos movemos ao longo de um único continuum: não irrompendo, como tendemos a pensar hoje em dia, do ostensivamente espalhafatoso para o despretensiosamente simples, mas antes do belo para o sublime, no sentido clássico e pré-kantiano desses termos. Assim considerado, o “belo” é um estilo que abunda em ornamentação cintilante, enquanto o “sublime” é um estilo de contenção majestosa, colocado “abaixo do limiar” (sub limine) do templo, uma nudez plangente cujo poder retórico excede de alguma forma o dos mais espetaculares adornos oratórios.
Toda a grande prosa nacional, em praticamente qualquer língua, só atinge o seu meridiano superior através de uma negociação prolongada e constante desta tensão entre beleza e sublimidade – entre o decorativo e o augusto, ou entre o esplêndido e o lúcido. E isso só acontece ao final de longas épocas de desenvolvimento. Ser capaz de equilibrar expressividade e reticência, ou saber quando se deve abandonar esse equilíbrio, requer tato, engenho e gosto por parte dos escritores; mas requer também uma linguagem com maturidade suficiente. É por isso que a prosa de qualquer importância surge invariavelmente muito mais tarde na história de uma cultura do que a grande poesia. A poesia entrou no mundo quase tão cedo como as palavras; é o primeiro florescimento da magia intrínseca da língua – com os seus poderes de invocação e apóstrofe, de tornar presente o ausente e misterioso o presente, de abrir uma mente a outra. É mais natural para as línguas na sua primeira aurora, quando algo elementar – algo de algum modo pré-linguístico e não muito consciente – é ainda audível nelas. A prosa, no entanto, só evolui quando essa força foi subjugada por séculos e séculos de refinamento, depois de o encantamento inconsciente ter sido largamente dominado pela arte consciente, quando a língua adquiriu um vocabulário suficientemente rico e uma sintaxe suficientemente sutil, e descobriu plenamente as suas cadências nativas. Em inglês, tal como em francês, isto aconteceu no início do período moderno, começando no final do século XV e atingindo um zênite inultrapassável no século XVII.