#unamuno: Grande Sertão: Mímesis (2)
As relações secretas entre René Girard e Guimarães Rosa
[Leia aqui a primeira parte do ensaio]
– por Christiano Galvão
A esquiva rivalidade com que se entreolharam no primeiro encontro da juventude ressurgirá agora em razão da significância que reciprocamente querem se impor. Riobaldo parece estar ciente disso, ou quase: Diadorim, que era o Menino, que era ao Reinaldo. E eu. Eu?…[33] Adiante, noutra comparação com Diadorim, ele próprio responde: “Eu ainda não era ainda”[34]. A necessidade cada vez mais urgente de se diferenciar, de se afirmar em detrimento um do outro resulta em condutas sempre mais idênticas. Por isso Diadorim, apesar da força de seu caráter, também não conseguia escapar dos liames da mímesis, e se deixava afetar pelos anseios de Riobaldo: enciumava-se quando ele se entretinha com as façanhas de outro jagunço; e, não raro, quando se sentia diminuído, tratava-o com desdém ou indiferença. Riobaldo notava, mas, em razão da dupla mediação, condescendia: Ser dono definitivo de mim, era o que eu queira, queria. Mas Diadorim sabia disso, parece que não deixava…[35].
Ao dizer “parece que não deixava”, Riobaldo talvez esteja reconhecendo que a culpa não era só de Diadorim, que aquele jogo de atração e retração, de admiração e de raiva era motivado por ambos. O chefe Zé Bebelo, que era um jagunço sutil e “palavroso”, já lhe havia explicado a dinâmica dessa dupla mediação:
(…) a gente carece de fingir as vezes que raiva tem, mas rai va mesma nunca se deve tolerar de ter. Porque quando se curte raiva de alguém é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania…[36]
Mas o simples conhecimento dessa dinâmica não é bastante para dela nos libertar. Em certos casos, tal consciência incide como um agravante, podendo conduzir ao desespero. Riobaldo quer reaver sua autonomia, ser dono de si, mas não quer se libertar do fascínio por Diadorim, haja visto que isso só será possível quando a ele puder se igualar, ou superá-lo. Mas como?