#unamuno: Holanda X Brasil, a eterna disputa (2)
Futebol, pintura e arquitetura como maneiras diferentes de ver o mundo
Para substituir a primeira temporada do Não É Entrevista (calma, leitor, a seção voltará em breve, completamente remodelada), hoje começa uma nova parceria no Não É Imprensa (NEIM): a da Revista Unamuno, uma célula de jovens talentos literários, editada por Pedro de Almendra. Toda terça e quinta, teremos ensaios, contos e poemas que comprovarão a existência de uma minoria talentosa que se importa de verdade com a cultura do nosso país e que, por isso, só tem o futuro a oferecer. Visite também o Twitter e o Instagram da publicação.
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[Leia a primeira parte do ensaio]
Por Pedro de Almendra
Apesar da extensão continental de território, o nosso horizonte é estreito, e o mundo que se nos apresenta não é largo como o dos holandeses. Grande parte de nossos jogadores cresceram em favelas, amontoados de casas em nada semelhantes às quadras ordenadas de Amsterdã; quando meninos, aprenderam a jogar futebol em ruas estreitas e esburacadas – ou campos de terra enlameados. Com a bola ricocheteando em calçadas altas, e oponentes mais velhos à sua frente, ele precisava dar um jeito de chegar à trave de um metro de extensão, delimitada por duas chinelas havaianas. O jogador brasileiro, em menino, acostumou-se à situação que o Cruyff e Michels a todo custo queriam evitar: conserva a calma e consegue ser inventivo e inteligente sem espaço para mover-se e sem tempo para pensar. Dessa forma, porque acostumado às medidas de uma quadra de futsal, o jogador brasileiro prefere encurtar o campo de futebol em torno da “zona da bola” – quer esteja com a posse, quer não. Eis a diferença entre os pontas holandeses (que ficam presos à linha lateral, mantendo o campo largo) e o criativo ponta brasileiro, que achata o campo pelo meio e precisa costurar os adversários com passes curtos ou com dribles. O seu talento consiste em encontrar espaço onde não há – por vezes, entre as pernas do adversário, por um engenhoso e súbito truque de mágica.
Os jogadores brasileiros se organizam a partir da bola, não do jogo posicional5. Amontoados dentro da zona da bola, as leis são invertidas: tudo é caótico, contraintuitivo, e só o nosso jogador de talento, que já desde a infância passa por apertos maiores, está à vontade. Tudo deve ser feito com urgência e de repente. Sua atenção deve voltar-se àquela área estreita, onde não raro 4 ou 5 jogadores se tumultuam, dando assistência ao craque da equipe – ao jogador que vale por 4 ou 5.6 Os atacantes se aproximam, os pontas são criativos, invertem posições constantemente; e, quanto mais perto estiverem uns dos outros, melhor conseguem se entender. Um jogador precisa olhar para o seu colega de equipe, prever seus movimentos, antecipar seus desejos. Ao brasileiro convém que o campo de futebol diminua. Além do pequeno retângulo em torno da bola, nada interessa.