Que tal seus R$ 1.518,00 congelados em 6 anos?
Armínio Fraga — ex-presidente do Banco Central e atual presidente do conselho de um número de institutos maior do que trabalhador tem de dinheiro no banco — sugeriu que o Brasil congele o salário mínimo por seis anos.1
Seis fucking anos! Se fosse um plano de internet, acabaria antes do próximo reajuste. Mas como é com o salário de quem mais precisa, parece que a proposta é tratada com gelo seco: dura mais e queima quando encosta.
Me parece irônico uma proposta dessa vir nessa época do ano. O ovo está caro, o cacau está nas alturas. Conseguir comer ovos de páscoa esse ano será uma benção. Talvez dê pra comprar uma lata de Nescau a prazo e comer o pó com colher pra não passar em branco.
A ideia, segundo Fraga, é que o país precisa conter os gastos públicos — especialmente os com previdência e assistência social, que crescem junto com o salário mínimo. E como quase tudo no Brasil é “atrelado” ao salário mínimo (benefícios, pensões, até o dinheiro que a gente não tem), ele virou o vilão da história.
“Mas… será mesmo?” — foi o que eu pensei com a convicção de quem não sabe calcular nem a própria restituição do IR. Fui atrás!
O salário mínimo hoje está em R$ 1.412,00. Esse é o valor que sustenta a vida de mais de 30 milhões de brasileiros, direta ou indiretamente. É o que garante o gás, o arroz, a mistura e, se der sorte, um Dolly Guaraná na promoção.
Congelar esse valor significa que, por seis anos, o poder de compra de quem ganha menos vai encolher, enquanto o preço das coisas obviamente vai continuar crescendo. O arroz sobe, o aluguel sobe, a luz sobe... Já o salário fica no modo avião sem chance de se conectar com a rede.
Pelo o que eu entendi, a proposta parte de uma lógica fiscal: “gastamos demais com aposentadorias e benefícios sociais, então precisamos frear esse crescimento para não comprometer o orçamento”.
Nos números que eu achei, a previdência e assistência social somam quase R$ 1,2 trilhão por ano, mais da metade do gasto primário do governo.2
Mas antes de culpar a minha mãe que recebe aposentadoria do INSS ou a mãe solteira que depende do Bolsa Família, fui olhar o outro lado da tabela.
Enquanto o salário mínimo vai pro congelador da economia, os auxílios e bônus estão no modo air fryer: esquentando com gratificações crocantes, auxílios quentinhos e penduricalhos sequinhos.
Segundo o TCU, mais de 25 mil servidores ganham acima do teto constitucional.3
Quais são esses penduricalhos?
Auxílio-moradia: pra quem esqueceu onde morava.
Auxílio-livro: pra comprar o livro que nunca será aberto.
Auxílio-creche: mesmo sem filhos pequenos, mas vai que aparece um filho perdido.
Indenização retroativa: o famoso "paguei caro e quero meu dinheiro de volta".
Verba de representação: pra poder aparecer bem na foto — mesmo que seja no processo.
Quinquênio: ganha 5% a cada cinco anos só por continuar vivo e indo trabalhar.
Bônus por produtividade: se trabalhar direito, ganha. Se não trabalhar… também.
Auxílio-saúde: plano que cobre até a unha encravada emocional.
Auxílio-peru: pra gastar só no Macchu Picchu. (piadoca, ok?)
(Tinha o Auxílio-paletó, mas foi extinto. Esse auxílio vestiu o paletó de madeira)
Em 2023, esses penduricalhos custaram aos cofres públicos aproximadamente R$ 11,1 bilhões, com mais de 42 mil servidores recebendo acima do teto constitucional.
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu um teto de R$ 46,3 mil para os penduricalhos dos juízes, permitindo um acréscimo de até 100% sobre o teto constitucional, o que pode resultar em remunerações mensais de até R$ 92,6 mil.
Agora vamos dar uma olhada nas renúncias fiscais: em 2023, o governo deixou de arrecadar R$ 456 bilhões com isenções e incentivos.4
Quer dizer, corta-se o leite das crianças, mas mantém o uísque do happy hour.
Agora sobre o assistencialismo... É verdade que o governo Lula ampliou os programas sociais. O novo Bolsa Família atende quase 21 milhões de famílias e custa cerca de R$ 180 bilhões por ano.
Já que eu não dependo dele e não entendo bulhufas, me surgiu uma dúvida: “O Bolsa Família só serve pro Lula se reeleger ou existe algum ganho financeiro efetivo nessa a grana aí?”
Estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que cada real investido retorna R$ 1,78 para a economia, via consumo local e redução de desigualdade.5
Segundo este dado, não é “esmola”. É realmente política pública com efeito real e comprovado e que contradiz umas narrativas aí.
É óbvio que programas mal geridos podem viciar e gerar distorções. Mas tratar todo gasto social como desperdício e todo privilégio como “direito adquirido” desvirtua pra um rombo moral.
Eu acho interessante que essas ideias de congelar o salário mínimo partem sempre de quem não depende do salário mínimo, como é o caso do Armínio Fraga. Essa política atinge quem menos tem.
Claro que os gastos com assistência social são altos, mas não são os únicos culpados pelo rombo fiscal.
Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o Brasil gasta mais com altos salários e privilégios do que países desenvolvidos, e a economia de cortar esses excessos seria de bilhões por ano.6
Se for pra congelar alguma coisa, que seja o privilégio.
O cafezinho gourmet no cofre do Senado.
O “auxílio-moradia” de quem já tem três imóveis.
O aumento automático de quem já ganha muito.
Ou, quem sabe, o hábito de congelar o pobre enquanto o rico tosta os cofres públicos. Seria inédito!
Aí vem a minha dúvida de ouro: por que então não trabalhar de fato pra que os supersalários sejam diminuídos ou congelados por seis anos? Cheguei nessas respostas aqui:
Primeiro que geraria enfrentamento com categorias poderosas, como o Judiciário e o Legislativo. Não parece ser uma boa ideia, não?
Segundo que quem poderia aprovar essa medida seriam os próprios beneficiados. Deputados, senadores, ministros e altos servidores têm poder para manter os próprios privilégios.
Terceiro que congelar ou cortar esses salários não dá voto.
Quarto: Mesmo quando tentam limitar esses valores, surgem exceções, gratificações e indenizações que “legalizam o excesso”.
Ou seja... a sugestão do Armínio Fraga é o que dá pra fazer enquanto a corrupção continuar sendo institucionalizada no Brasil maquiada como leis. A normalização do absurdo vai paulatinamente confundindo a nossa moral enquanto sociedade.
Enquanto isso, o salário mínimo segue ali… esperando o degelo da empatia.
E o mais curioso: congelar o salário mínimo pode esfriar tanto o mercado formal que vai esquentar o mercado informal. Ou seja, menos gente contribuindo pro INSS, mais rombo na previdência… e, quem sabe... mais motivo pra congelar o salário de novo no futuro. É a máquina pública fritando na própria gordura.
Desejo a vocês uma ótima preparação pra páscoa. Espero que o Kinder Ovo esteja na promoção e que a surpresa seja um pouco de esperança.
É matemática. Se o sistema político não aceita cortar privilégios de grupos de interesse que capturaram o estado, sobra o corte no salário mínimo, ou via congelamento puro e simples, ou pela desvinculação do mesmo dos benefícios sociais. Se nada for feito, sobram duas saídas: inflação ou calote. A primeira opção é a mais provável.
Será o mesmo filme da Argentina nos tempos kirchineristas: subsídios cada vez maiores dos preços administrados, fraude dos índices oficiais de inflação, intervenção no banco central, mais bolsas e a impressora de dinheiro a todo vapor para sustentar a farsa até onde for possível.
Eu tento não me espantar com as coisas, mas não consigo. É espantoso como tem pessoas completamente desconectadas da realidade do país.